As instalações ficaram em silêncio, e ele sabendo-se só, sentou-se na cadeira de espaldar, frente à secretária, deixou descair a cabeça para trás e fechou os olhos.
Alheio a tudo o que o rodeava, deu largas ao pensamento, e deteve-se no passado cheio de boas recordações. Impossível não reparar no contraste em relação à sua situação actual, o que o levou a murmurar -"feliz nos negócios, infeliz nos amores" diz o povo, e tem razão.
Passaram alguns minutos antes que decidisse abrir os olhos. Verificou as horas, e então ergueu-se rápido, olhou em redor certificando-se de que estava tudo em ordem, desligou o ar condicionado, e deixou o escritório.
Passaram alguns minutos antes que decidisse abrir os olhos. Verificou as horas, e então ergueu-se rápido, olhou em redor certificando-se de que estava tudo em ordem, desligou o ar condicionado, e deixou o escritório.
Apressado caminhou os escassos metros que o separavam da sua residência, subiu no elevador, e entrou em casa. O silêncio no grande apartamento entristeceu-o, vacilou de novo, e desalentado deixou-se cair num maple com a cabeça entre as mãos. Lidava mal com o estatuto de divorciado, precisava de tempo, dizia ele para si próprio sem grande convicção.
Pouco depois, o ruído do telefone sobrepôs-se, e embora contrariado, foi atender: - era um colega para lhe desejar Feliz Natal. Conversaram, e ele animou-se.
Pouco depois, o ruído do telefone sobrepôs-se, e embora contrariado, foi atender: - era um colega para lhe desejar Feliz Natal. Conversaram, e ele animou-se.
Depois, um banho quente ajudou, e daí a pouco, devidamente cuidado, descia à garagem carregando os presentes que tinha comprado para oferecer ao seu único filho, o Paulinho de quase quatro anos. A tristeza desvanecera-se um pouco, sentia-se melhor... Afinal é Natal, murmurava em pensamento, procurando ser forte.
Entrou no carro, ligou a ignição, e daí a pouco já circulava pela avenida a caminho da segunda transversal, aonde numa bela moradia viviam os seus sogros.
Entrou no carro, ligou a ignição, e daí a pouco já circulava pela avenida a caminho da segunda transversal, aonde numa bela moradia viviam os seus sogros.
Ao aproximar-se diminuiu a velocidade, e estacionou um pouco antes do portão do jardim. Pelas janelas do 1º andar via-se que grande parte da casa estava profusamente iluminada. Paulo dirigiu-se para a entrada e tocou à campaínha. A porta abriu-se, era a Alice a criada, que num misto de satisfação e mágoa, cumprimentou o sr. engenheiro e o conduziu á sala grande, aonde numa mesa preparada para a ceia, brilhavam as louças e os cristais. Num dos cantos lá estava uma enorme árvore de Natal, tudo como dantes tal como ele previra, toda a família reunida e ainda alguns convidados.
- Papá, Papá, gritou o Paulinho precipitando-se em correria para os braços do Pai, que enternecido o abraçava e lhe estendia os presentes. A criada levou os embrulhos para junto da árvore de Natal, enquanto o Paulinho monopolizava o Pai em todos os sentidos, e ele se julgava o mais feliz dos mortais.
- PaPá quero cólo! Não me ponhas no chão! Quero que fales comigo! Sabes, eu tenho amigos na escolinha, e já sei o nome deles. Ficas comigo e com a Mamã, não ficas? Estão cá todos, e tu nunca mais vinhas... Olha, depois ajudas-me a abrir os presentes? São muitos anda cá ver!!! Paulo queria falar, mas não tinha palavras, aquela situação era nova, e muito embaraçosa...
- Papá, Papá, gritou o Paulinho precipitando-se em correria para os braços do Pai, que enternecido o abraçava e lhe estendia os presentes. A criada levou os embrulhos para junto da árvore de Natal, enquanto o Paulinho monopolizava o Pai em todos os sentidos, e ele se julgava o mais feliz dos mortais.
- PaPá quero cólo! Não me ponhas no chão! Quero que fales comigo! Sabes, eu tenho amigos na escolinha, e já sei o nome deles. Ficas comigo e com a Mamã, não ficas? Estão cá todos, e tu nunca mais vinhas... Olha, depois ajudas-me a abrir os presentes? São muitos anda cá ver!!! Paulo queria falar, mas não tinha palavras, aquela situação era nova, e muito embaraçosa...
O alvoroço do Paulinho contrastava com a atitude da Familia que assistia á cena sem um único sorriso, colocando o engenheiro no papel de intruso. Aquele desdém era por de mais notório, e ele sentiu-se constrangido.
Logo que o filho "consentiu," apressou-se a cumprimentar todos os familiares, e a Leonor sua ex-esposa, que friamente aceitaram os cumprimentos. E como ninguém lhe disse para ficar, nem um pouco de tempo sequer, beijou o filho e saiu.
Já no jardim, aos seus ouvidos chegaram uns gritos: - Eu quero o PaPá! Eu quero! Eu quero! Seguiu-se um gritar continuado... Paulo sentiu-se gelar, e parou indeciso ... Mas naquela casa já não havia lugar para si, nem mesmo durante uns minutos na noite de Natal. E com esta certeza e o coração partido, dirigiu-se ao carro, deu volta à chave e, acelerou, sem destino...
Áquela hora, as ruas da cidade estavam práticamente desertas, era a noite da consoada, a maioria das familias estava reunida em casa como é de tradição. O engenheiro Paulo conduzia agora sem pressa, um tanto a êsmo, duma rua virava para outra, dir-se-ia que andava a ver as ornamentações Natalícias... mas não, ele ainda sentia nos ouvidos os gritos do filho a chamar por ele, e isso doía, doía muito... Depois também a forma desagradável como fora recebido naquela casa... Não esperava ser convidado para jantar, nem tão pouco aceitaria, mas aquele desprezo, foi de mais... E afinal porquê? Se ele nem sequer era culpado...
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Enquanto conduzia sem rumo, a memória trazia-lhe "o filme" dos seus ultimos anos de casado...
Tinham tido um casamento auspicioso, e foram muito felizes até ao nascimento do Paulinho. Depois a Leonor alterou-se completamente, vivia dominada por uma neurose obsessiva pela criança, e aos poucos foi-se afastando do Paulo.
Ele adorava-a, e entendia o facto como sendo um caso patológico mas que havia de curar-se, e voltariam a ser felizes. Não queria duvidar. - A medicina faz milagres, dizia ele cheio de esperança...
Consultaram vários especialistas, ela fez a medicação recomendada, mas à medida que o tempo passava, maior era a aversão que ela manifestava em relação ao casamento, e ao marido. Era de facto um caso patológico, do foro psiquiátrico. Paulo sofria, mas continuava a esperar...
Foi ela que pediu a separação, o Paulo não queria, mas dada a insistência dela e da familia, acabou por aceitar. Seguiu-se um divórcio de comum acordo e até a promessa de que ficariam amigos; era uma boa decisão até pelo Paulinho.
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Paulo sentia a cabeça a estoirar... encostou à beira e saiu do carro. O ar frio bateu-lhe em cheio na cara,e embora desagradável foi de efeito benéfico, qual sedativo natural sem contra indicações. E começou a raciocinar de modo mais lógico : -" Ficarmos amigos? Mas afinal para quê? " Para isto?
Até me fica mal ser tão ingénuo... Mas que posso eu esperar? Nada! Eu é que estou errado.
E já não se atreve a comentar de modo tão negativo, a atitude dos seus sogros. Vai mesmo mais longe e escreve na pequena agenda, o pensamento que lhe surgiu no actual momento: - " Talvez esta família, que já não é a minha, se esteja a reger pelas leis da razão - enquanto eu me regi, pelas leis do coração... "
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Ufa!!! Que noite de Consoada...
Começou a sentir frio, desconforto, e recordou-se que não tinha jantado; precisava de fazer uma refeição, uma comida quente. Entrou no carro e seguiu devagar até à ponte, rumo a um restaurante que ficava do outro lado do rio. Um pouco de nevoeiro alterou em parte a visibilidade; - abrandou ainda mais a velocidade, e reparou então num vulto negro que corria, e parou a meio da ponte fixando o abismo. Havia ali forte determinação pois nem deu conta do carro que parou próximo. Pousou a mala de mão, e agarrou-se ao gradeamento para ganhar impulso. Ia lançar-se, mas os braços vigorosos de Paulo conseguiram segurá-la a tempo.
Uma figura elegante de mulher jovem, vestida de preto, estava ali encostada ao seu peito, envergonhada e cheia de lágrimas. Paulo respeitou o seu sofrimento, e não lhe fez perguntas, apenas lhe dirigiu palavras de compreensão, e aguardou. Quando lhe pareceu que podia ajudá-la, tentou...
-Agora que já está mais calma, vou levá-la a casa, disse-lhe, ao mesmo tempo que a encaminhava na direção do seu carro desarrumado. - A sua família deve estar a sofrer de preocupação; diga-me onde mora... ela parou e com a voz embargada respondeu; - eu não tenho família nesta cidade... Estou cá há pouco tempo. Sou professora e dou aulas numa vila deste Distrito. Agradeço, mas não é necessário, tenho o meu carro ali atrás, meio escondido, não esperava precisar mais dele.
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Paulo não demonstrava, mas neste momento sentia-se muito contente - tinha salvo uma vida na noite da Consoada! E este facto fazia-o esquecer as contrariedades que vivera neste principio de noite.
Perguntou-lhe o nome, e ela disse, sou Rosália.
-Então Rosália venha jantar comigo, sou um desconhecido para si, mas pode confiar, sou o Paulo Ferreira, disse, enquanto lhe estendia um cartão de visita com a sua identificação.
O restaurante Rio Calmo fica perto, se fosse de dia, via-se daqui.
Rosália aceitou. Jantaram juntos, e o Paulo até ficou assim um pouco de asa caída por ela, embora não o confessásse, ainda... Ela era uma jovem discreta, fina, e educada, mas triste, e carregada de luto. Acabou por lhe contar com palavras misturadas com lágrimas, que era viúva, e tinha sido muito feliz com o seu Rui, mas um brutal acidente de viação roubara-lhe a vida, à pouco mais dum mês. Ela tinha família na terra, mas não quis ir lá passar o Natal, não tinha alegria para isso. E duas semanas passavam rápido, logo findavam as férias, e voltava o trabalho que sempre distrai...
Mas hoje, tinha sentido tantas saudades do Rui, que pensou ir para junto dele...
E Paulo não disse, mas também pensou - "ela queria ir para junto dele, mas eu não deixei ! "
E nem vou deixar !...
Logo que o filho "consentiu," apressou-se a cumprimentar todos os familiares, e a Leonor sua ex-esposa, que friamente aceitaram os cumprimentos. E como ninguém lhe disse para ficar, nem um pouco de tempo sequer, beijou o filho e saiu.
Já no jardim, aos seus ouvidos chegaram uns gritos: - Eu quero o PaPá! Eu quero! Eu quero! Seguiu-se um gritar continuado... Paulo sentiu-se gelar, e parou indeciso ... Mas naquela casa já não havia lugar para si, nem mesmo durante uns minutos na noite de Natal. E com esta certeza e o coração partido, dirigiu-se ao carro, deu volta à chave e, acelerou, sem destino...
Áquela hora, as ruas da cidade estavam práticamente desertas, era a noite da consoada, a maioria das familias estava reunida em casa como é de tradição. O engenheiro Paulo conduzia agora sem pressa, um tanto a êsmo, duma rua virava para outra, dir-se-ia que andava a ver as ornamentações Natalícias... mas não, ele ainda sentia nos ouvidos os gritos do filho a chamar por ele, e isso doía, doía muito... Depois também a forma desagradável como fora recebido naquela casa... Não esperava ser convidado para jantar, nem tão pouco aceitaria, mas aquele desprezo, foi de mais... E afinal porquê? Se ele nem sequer era culpado...
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Enquanto conduzia sem rumo, a memória trazia-lhe "o filme" dos seus ultimos anos de casado...
Tinham tido um casamento auspicioso, e foram muito felizes até ao nascimento do Paulinho. Depois a Leonor alterou-se completamente, vivia dominada por uma neurose obsessiva pela criança, e aos poucos foi-se afastando do Paulo.
Ele adorava-a, e entendia o facto como sendo um caso patológico mas que havia de curar-se, e voltariam a ser felizes. Não queria duvidar. - A medicina faz milagres, dizia ele cheio de esperança...
Consultaram vários especialistas, ela fez a medicação recomendada, mas à medida que o tempo passava, maior era a aversão que ela manifestava em relação ao casamento, e ao marido. Era de facto um caso patológico, do foro psiquiátrico. Paulo sofria, mas continuava a esperar...
Foi ela que pediu a separação, o Paulo não queria, mas dada a insistência dela e da familia, acabou por aceitar. Seguiu-se um divórcio de comum acordo e até a promessa de que ficariam amigos; era uma boa decisão até pelo Paulinho.
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Paulo sentia a cabeça a estoirar... encostou à beira e saiu do carro. O ar frio bateu-lhe em cheio na cara,e embora desagradável foi de efeito benéfico, qual sedativo natural sem contra indicações. E começou a raciocinar de modo mais lógico : -" Ficarmos amigos? Mas afinal para quê? " Para isto?
Até me fica mal ser tão ingénuo... Mas que posso eu esperar? Nada! Eu é que estou errado.
E já não se atreve a comentar de modo tão negativo, a atitude dos seus sogros. Vai mesmo mais longe e escreve na pequena agenda, o pensamento que lhe surgiu no actual momento: - " Talvez esta família, que já não é a minha, se esteja a reger pelas leis da razão - enquanto eu me regi, pelas leis do coração... "
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Ufa!!! Que noite de Consoada...
Começou a sentir frio, desconforto, e recordou-se que não tinha jantado; precisava de fazer uma refeição, uma comida quente. Entrou no carro e seguiu devagar até à ponte, rumo a um restaurante que ficava do outro lado do rio. Um pouco de nevoeiro alterou em parte a visibilidade; - abrandou ainda mais a velocidade, e reparou então num vulto negro que corria, e parou a meio da ponte fixando o abismo. Havia ali forte determinação pois nem deu conta do carro que parou próximo. Pousou a mala de mão, e agarrou-se ao gradeamento para ganhar impulso. Ia lançar-se, mas os braços vigorosos de Paulo conseguiram segurá-la a tempo.
Uma figura elegante de mulher jovem, vestida de preto, estava ali encostada ao seu peito, envergonhada e cheia de lágrimas. Paulo respeitou o seu sofrimento, e não lhe fez perguntas, apenas lhe dirigiu palavras de compreensão, e aguardou. Quando lhe pareceu que podia ajudá-la, tentou...
-Agora que já está mais calma, vou levá-la a casa, disse-lhe, ao mesmo tempo que a encaminhava na direção do seu carro desarrumado. - A sua família deve estar a sofrer de preocupação; diga-me onde mora... ela parou e com a voz embargada respondeu; - eu não tenho família nesta cidade... Estou cá há pouco tempo. Sou professora e dou aulas numa vila deste Distrito. Agradeço, mas não é necessário, tenho o meu carro ali atrás, meio escondido, não esperava precisar mais dele.
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Paulo não demonstrava, mas neste momento sentia-se muito contente - tinha salvo uma vida na noite da Consoada! E este facto fazia-o esquecer as contrariedades que vivera neste principio de noite.
Perguntou-lhe o nome, e ela disse, sou Rosália.
-Então Rosália venha jantar comigo, sou um desconhecido para si, mas pode confiar, sou o Paulo Ferreira, disse, enquanto lhe estendia um cartão de visita com a sua identificação.
O restaurante Rio Calmo fica perto, se fosse de dia, via-se daqui.
Rosália aceitou. Jantaram juntos, e o Paulo até ficou assim um pouco de asa caída por ela, embora não o confessásse, ainda... Ela era uma jovem discreta, fina, e educada, mas triste, e carregada de luto. Acabou por lhe contar com palavras misturadas com lágrimas, que era viúva, e tinha sido muito feliz com o seu Rui, mas um brutal acidente de viação roubara-lhe a vida, à pouco mais dum mês. Ela tinha família na terra, mas não quis ir lá passar o Natal, não tinha alegria para isso. E duas semanas passavam rápido, logo findavam as férias, e voltava o trabalho que sempre distrai...
Mas hoje, tinha sentido tantas saudades do Rui, que pensou ir para junto dele...
E Paulo não disse, mas também pensou - "ela queria ir para junto dele, mas eu não deixei ! "
E nem vou deixar !...