terça-feira, 16 de novembro de 2021

O Ti Tóino

Quando o Tóino e a sua Maria "caíram" na cama, depois dum dia inteiro atrás do gado na sementeira da terra nos moinhos velhos, ambos tinham a certeza de que o sono os tomaria pela noite toda. E tanto que ambos careciam de descanso, porque para o dia seguinte igual tarefa os esperava. Contudo, a Maria queria cozer a brôa de madrugada, porque iria ter com ele ao campo logo depois de fazer o almoço e a merenda para ambos e, queria levar broa mole para comerem com as batatas cozidas e a carne frita.  Receosa queixou-se do mêdo de não acordar cêdo. Mas o Tóino num português que era só dele, exclamou: - "sossega mulher, que à hora certa o mê cu dá sinal." Mas não deu... e ele também queria sair bem cêdo. 
No entanto, mesmo sem aquele despertador da sua confiança ele acordou, saiu logo da cama e acordou a mulher. 
Ainda estava escuro, ele foi ao curral dar alimento ao gado, e voltou para aconchegar o estômago com meia brôa rija feita em sôpas, regada com o caldo de feijão com couves que a mulher entretanto tinha feito ferver. 
Daí a pouco estava na estrada a caminho do campo de Montemor onde tinha algumas terras, e que distava alguns quilómetros da aldeia onde nascera e residia.
Ainda se viam algumas estrelas no céu, mas ele não tinha mêdo, ninguém fazia mal ao Ti Tóino, ele era grande e encorpado  mas também respeitador, e respeitado por todos, novos e velhos.
Segurando as vacas que puxavam o carro, ele as encaminhava de vagar, poupando-as para o dia de trabalho que iam ter a puxar o arado e as grades, e falava com elas: - "vamos lá castanhas, isto agora ainda é só passear..." A estrada estava deserta e ele lembrou-se duma cantiga e logo passou a assobiá-la de modo afinado.
Mas daí a pouco, "ai, ai, aí, com isto não contava eu" murmurou. "Pois, este malvado, hoje não me quis dar sinal à hora do costume; e então não é que estou a precisar de me "ir abaixar?!"  "E é que estou mesmo."
Parou o gado e meteu-se por uma terra que estava em poisio, tinha uns arbustos que encobriam a estrada, foi até lá e tratou de  "se abaixar..." No lusco-fusco que persistia deitou a mão a umas verduras, umas ervas, havia muitas e com elas procedeu à respectiva "higienização..."  Porém, só não gritou porque até lhe faltou o ar. Eram ortigas, ou ortigões machos ele não as viu, mas sentiu-as  em toda a plenitude. 
Amargurado voltou à estrada, e caminhou com o gado uma grande parte do caminho até chegar à Tasca da Leiteira. Entrou, pediu o mata bicho mas não bebeu, e de copo de aguardente na mão saiu logo e encaminhou-se para as traseiras da Tasca. Lá fez "o tratamento," respirou fundo algumas vezes e no fim, atirou o copo para dentro duma silveira que havia mais adiante, enquanto pensava "fica aí para sempre!, não queira o diabo que eu ainda venha a beber por ti pobre copo."    Voltou à Tasca para pagar, e três homens novos que lá estavam mostraram-se curiosos, se estava doente, etc... Ele não sabia quem eram, mas já os tinha visto algumas vezes e, fragilizado como estava, contou do que estava a sofrer. E o resultado em vez de compreensão foi uma rizada geral de mau gosto. Em baixa voz sugeriam alcunhas que iam rejeitando, até que um deles disse a alcunha que lhe ia assentar. Êle não esperou mais e, de braço erguido e punho fechado avançou para o trio que ao verem aquele homem a crescer para eles, se juntaram encolhidos com as mãos a proteger a cabeça.
O Ti Tóino parou, baixou o braço e disse ameaçador "os porcos quando roncam querem laváge, então aí a têm! "  E dito isto pegou no alguidar que estava em cima do balcão cheio de água para lavar os copos, e com a força dos seus pulsos fortes atirou-a com violència contra eles. 
A seguir pousou o alguidar e colocou o boné na cabeça para se ir embora, mas ainda parou a olhá-los. Incautos tinham ido embater nas tábuas que formavam a parede e um estava caído no chão molhado, era o autor da "melhor" alcunha.
Avançou firme, pegou-lhe pelo ombro e bruscamente levantou-o, mas com um safanão empurrou-o  desamparado para um banco. Depois falou-lhe, "sabes, eu não deixo nunca um homem no chão, se tens alguma coisa a dizer vem comigo ali pra fora." 
"Estás a ouvir ó fedêlho? Ouviste?"
Ninguém respondeu. 
O Ti Tóino encaminhou-se devagar para a porta, mas antes de sair ainda disse "é bem certo o ditado, quem se mete com fedêlhos sai cagádo! Mas comigo? Não! "