O cinema (os filmes)
Nesta época do ano esta arte é lembrada com mais assiduidade. Fala-se nos realizadores, nos atores, e nos filmes candidatos a óscares, e a césares, dão-se opiniões, fazem-se vaticinios, e na noite das entregas dos almejados troféus assiste-se à cerimónia, que vale a pena ver, até por razões de elegancia e luxo de indumentárias.
Comecei por pensar nesta realidade actual, mas acabei por me deter no passado, num recuo de muitos anos, situando-me nas recordações de que faço as minhas histórias. E lembrei-me do cinema, no meu Montemor-o-Velho, e eu pequenita a assistir quando ainda não havia classificação especial em relação à idade dos espectadores. Eu teria talvez uns cinco anos, podia estar ao colo... mas o meu pai não queria, e comprava sempre um lugar para mim. A minha mãe levava um banquito que ela própria tinha tornado confortável, acoplando-lhe uma almofada de tecido colorido. Colocava-o no lugar marcado e aí estava eu instalada à altura dos adultos. Só havia cinema de mês a mês, mesmo mais tarde, quando eu já não precisava do banquito...
E era assim: com oito dias de antecedência aparecia nas poucas lojas da Vila a publicidade; um retangulo de papel de seda de côr garrida com a fotografia dum ou dois dos atores intervenientes, umas palavras chamativas, a data e a hora. Depois
no dia marcado, pelas quatro horas chegava a furgoneta com os apetrechos para a projeção, e logo, logo, instalavam na varanda do Teatro a aparelhagem sonora que transmitia em muito alta voz, fados, cançonetas, folclore, até à hora de jantar. O filme começava ás nove. Ir ao cinema em dia de semana era um prazer enorme. Eram filmes muito rodados, às vezes partiam, as pessoas lamentavam, mas ninguém refilava, era o que havia... Mas foi ali que vi o Vasco Santana, o António Silva, a Beatriz Costa,e mais grandes atores intervenientes nesses filmes portugueses, que ainda hoje vemos com agrado na TV Memória, ou que até guardamos na nossa estante.
Talvez por ter começado muito cedo a ir ao cinema, mesmo tendo em conta que pouco devia perceber, a verdade é que ainda hoje gosto bastante, embora não de todos os filmes da actualidade. Recordo que em Lisboa iamos de vez em quando ao cinema, e em Braga onde vivemos onze anos, iamos muitas vezes, nessa altura era barato. Agora o cinema tornou-se caro, algumas salas são desconfortáveis, e embora o grande ecran seja uma tentação, optamos pela comodidade do sofá e bastamo-nos com a imagem reduzida; o filme vem ter a casa, e se não agrada escolhe-se outro ou simplesmente anula-se a transmissão.Tudo fácil.
Mas o encanto daqueles tempos, apesar do péssimo sonoro, roufenho tantas vezes, da fita que partia,do filme que por vezes não valia nada, deixou marcas, tanto assim que hoje o recordei.