sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Os Mêdos

 As pessoas cultivavam a superstição, toda a gente tinha algo de sobrenatural para contar, que alguém tinha visto. Falavam sem evitar que as crianças ouvissem, e assim eram elas (mais tarde) o veículo transmissor desses episódios então já apontados como verdadeiros. Estamos em Montemor em anos bastante recuados.

Na Vila haviam locais especiais onde "apareciam" os mêdos, e ai de quem duvidásse de tais afirmações. Na Rua Dr. José Galvão pelas dez horas da noite (hora dos mêdos) um caixão a rastejar atravessava a rua e, sumia-se num bueiro grande que existia encostado à casa do Fidalgo José Fortunato; hoje tudo  desaparecido, casa, bueiro e fidalgo. Outro local apontado era um pôço (de água) empedrado situado numa terra do mesmo Fidalgo, na estrada que liga a Vila à Barca, já perto da antiga Ponte.
Mas não menos assustador era a baixeira do Cano, frente à Quinta do mesmo nome, a caminho do Areal e do Moinho da Mata, e é aqui o local desta história:
- Mariana era costureira e ia costurar aos dias na casa das freguesas. Ia a pé e carregava a máquina de costura à cabeça, chamada máquina de mão, porque isenta de pedal, tinha uma manivela que era acoplada à roda e acionada pela mão da costureira. Começava o dia manhã cêdo e terminava ao entardecer. Ainda comia qualquer coisa, e só depois regressava a casa. E foi no regresso dum desses dias de trabalho em casa duma família no Areal, que ela se encontrou com a comadre Júlia também de Montemor, e juntas encetaram caminho animadas pela companhia recíproca, e um tanto apressadas pois ao longe já eram visíveis as primeiras estrelas pontilhando o céu, e também porque a baixeira do Cano lhes causava receios. E nesse sentido a conversa entre elas recaiu imediatamente nas aparições estranhas. "Eu nunca vi nada, dizia a Mariana, mas acredito que alguma coisa há-de haver, ao tempo que se fala nisto, isto já vem de trás... e tenho mêdo!" 
- "Pois, pois, dizia a comadre, eu também nunca vi nada, mas já a minha avó contava aquela da Galinha preta, grande grande, maior do que uma pessoa, batia as azas fazia barulho e vento que levantava o pó do chão. Eu tenho muito mêdo não gosto de aqui passar assim mais tarde, mas ás vezes  lá tem que ser..."
- Como a noite se aproximava, o filho da costureira ignorando que a mãe teria companhia, resolveu ir ao seu encontro. Ao vê-la ao longe, acompanhada, pensou numa brincadeira. Escondeu-se atrás duma árvore e esperou, deixou-as passar e em passo ligeiro mas leve foi atrás delas, aproximou-se bastante e quase encostado fêz um valente assôpro que naquele silêncio soou bem audível. Ambas deram um grito, a Mariana deitou a mão á máquina e em simultâneo agarraram-se uma á outra, para logo se soltarem e  desatarem a correr estrada fora sem olharem para trás. O rapaz que esperava uma risada e tal não aconteceu, já estava arrependido, e corria enquanto gritava "esperem, esperem, sou eu, esperem..."  Não esperaram nada, e só quando pisaram o chão da Vila e as fôrças começavam a traí-las, é que pararam e a mêdo olharam para trás.
E ali estava a razão de tanto mêdo, uma diabrura do filho da Mariana e afilhado da Júlia. Agora incrédulas quanto à situação que não esperavam, olhavam o jovem e não sabiam se haviam de ralhar, de rir, ou de chorar, pois o rapaz, arrependido, tinha perdido o riso, e um jovem triste faz pena. Decidiram-se  pelo riso, e quem sabe se depois disto não passaram a desvalorizar este género de mêdos que desde a infância acatavam?! 
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1 comentário:

Anónimo disse...

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