quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

A bofetada, e os óculos no chão

 Guardo na memória a festa que era para mim fazer anos, quando era menina e depois na juventude. Era tudo tão pouco, tão modesto, e no entanto era enorme no meu conceito. Resumia-se ao jantar que nessa noite era na sala. E a comida era sempre igual ano após ano, canja, arroz escuro dos miúdos do frango, e o dito cujo com batatinhas à volta, assado no forno. Como sobremesa arroz-doce. Prendas? Não me recordo. Apenas uns postais ilustrados enviados por algumas amigas. Mais tarde algumas prendas então, mas já com vista ao enxoval, jámais de carácter superflúo. Gosto de recordar, faz-me sorrir.

Foi há muitos anos, neste dia em setembro. Fui a Coimbra, e viajei no autocarro da carreira. No regresso vinha "o meu autocarro" e mais outro igual que era o do desdobramento, este por acaso vinha à nossa frente. Numa curva travou bruscamente para evitar bater numa camioneta que lhe surgiu de frente, e como a estrada estava molhada, atravessou-se na via. O outro também parou e não ouve consequências, porém quando o motorista se dirijiu ao da camionete de carga este começou a barafustar, e pregou-lhe uma bofetada. Os óculos voaram e claro partiram-se. Quando segundos depois ali chegámos não havia espaço para passármos. Com aquela atitude maluca, tornou-se necessário chamar a polícia, e sem telefone a demora era evidente. (estávamos nos anos sessenta) Ficámos ali retidos no meio dos campos. Então a alternativa era entrar numa azinhaga ir passar por uns pequenos povoados, para voltar à estrada um pouco mais adiante. E lá seguimos por caminhos tortuosos e estreitos de terra esbranquiçada, aos solavancos sobre o piso irregular. As pessoas surgiam ás portas, admiradas porque ali não passavam carros. Iamos muito devagar, a camionete quase entalada entre barreiras de terra e silvas e a espaços curtos havia uma pedra enorme no chão. Então o colega do motorista descia e ia tirar a pedra. Daí a pouco, de novo -" ó Isaías lá está outra, vai tirar." Nós riamo-nos, e parodiávamos o facto, chamávamos-lhe excursão sem aumento no preço do bilhete. E mais pedras se sucederam e o Isaías sempre as foi retirar, até finalmente voltarmos à estrada normal, verificando que tínhamos andado tanto mas na realidade estávamos a poucos metros das camionetes imobilizadas. Sucedeu-se um brado  de espanto, estávamos quase no mesmo sítio,  mas agora de estrada livre era seguir em frente. À boa disposição inicial sucedeu a saturação, estávamos "fartas" de solavancos, e do pó que as rodas da camionete levantavam e  mesmo fechando as janelas não era possível evitá-lo, e agora tudo calado só queríamos era chegar a casa depressa, pois foram horas nesta aventura e já era quase noite.
Em Montemor a noticia tinha corrido mas da pior forma, dizia-se que a camionete da carreira tinha sofrido um acidente, falava-se num choque ; eu tinha por hábito e gosto, ocupar o lugar da frente (aquele que era reservado ao fiscal) por isso em minha casa foi o caos. Quando a camionete entrou no inicio da minha rua onde passava e não parava, eu vi logo um aglomerado considerável de pessoas à minha porta. Preocupadas esperavam, e acompanhavam a minha mãe que em lágrimas só pensava o pior.
Finalmente cheguei a casa, sã e salva! Pois, não nos tinha acontecido nada, mas neste dia de aniversário, o jantar que já tinha arrefecido, não soube como de costume.

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