sexta-feira, 29 de março de 2013

Os Homens do Blusão Vermelho

A manhã começou chuvosa, mas algum tempo depois a chuva diminuiu de intensidade deixando ver as nuvens de tom cinza, antecipando as branquinhas e até o sol, muito anémico é certo e meio escondido, mas lá deu um ar de sua graça, embora não tivésse vindo para ficar. Apressei-me no sentido de aproveitar aquele interregno, para ir à rua fazer as compras que tinham ficado adiadas da véspera. Por precaução achei que devia fechar a janela, e nesse sentido aproximei-me, e vi em baixo na rua uns homens de blusões e bonés vermelhos, que aproveitando a zona dos semáforos onde os carros tinham de parar, se dirigiam aos automobilistas. Logo percebi que se tratava dum peditório. Pensei que seriam bombeiros, pela indumentária vermelha, e tentei ler a inscrição que tinham nas costas. Não consegui, porque embora estivessem perto, a altitude a que eu estava era mais um ponto negativo, e a minha visão já há muito que deixou de ser excelente. Como sou persistente, fui buscar o meu binóculo, actualmente um objecto de estimação, que se não tiver oitenta anos, poucos lhes hão- de faltar para isso. Nem assim eu consegui satisfazer a curiosidade, só li Associação, e vi que traziam o cartão de identificação que baloiçava preso no bolso do peito. Comecei então a recriminar- me: - Mas para que estou eu aqui a perder tempo? Acaso são contas do meu rosário? Só estou a atrasar- me... E estava, de facto.
Mas eu pensava que eram bombeiros, e intimamente passei a censurar os automobilistas porque não davam nada. A maioria dos carros eram grandes, e eu dizia para mim; - ora estas pessoas não podiam contribuir ? Quem não dá muito, dá pouco, o que é preciso é que todos dêem... Mas só acenavam com a mão pela negativa. E eu continuava; - chamam-se os bombeiros para tudo, e nestas ocasiões não há memória...
Dei por terminado o meu monólogo, deixei a janela e saí de casa em direção ao supermercado, e entretanto esqueci este cenário. Demorei-me, e no regresso quem vem ter comigo de maço de bilhetes na mão? Um dos homens de blusão vermelho... Fiquei então a saber que não aceitavam donativos, tentavam a venda dos bilhetes para um sorteio "simpático" cujo produto pertence à Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra, com vista à construção dum Centro de Dia com Cuidados Continuados para os Veteranos de Guerra e seus Familiares. Finalmente fiquei a saber que não eram bombeiros, mas para mim o caso não mudou muito, tratava-se duma Associação com carências... e a precisar de ajuda. O sr. fez questão de me apontar os prémios, pormenor que despenso, porque eu nunca espero que me calhe, mas não é por isso que não compro, desde que tenha dinheiro no bolso. Assim trouxe os bilhetes comigo e regressei a casa.
Guardei-os na escrevaninha em lugar visivel, porque a data do sorteio ainda vem longe. Inesperadamente surgiu-me um pensamento negativo; - isto será verdade? Ou será um bando que por aqui apareceu para enganar o próximo?... Eram vários homens, já não eram novos, e os bilhetes reuniam as informações habituais dum assunto que se diz sério, mas... mesmo assim, sei lá. E fiquei com "o mas" a moer- me a imaginação, ao ponto de me interrogar;- teriam sido iguais duvidas a razão do não, da maior parte dos automobilistas abordados? E eu teria sido enganada na minha boa fé? Fiquei sem resposta, mas com uma certeza.- Com a miséria de valores morais com que actualmente nos confrontamos, não devo censurar os cautelosos.

Mas talvez possa! Agora! Depois de ter ido pesquisar na Internett, e constatar toda a verdade e seriedade do assunto.
Afinal eu estava certa quando ajudei com o meu contributo. Tudo está bem, quando acaba bem.


sábado, 23 de março de 2013

O Arco Iris, ou Arco da Velha

Quando eu era nova, o tempo não me influenciava. Chuva ou sol e até o frio, nunca foram factores que alterássem os meus projectos. E se fazia frio?! Abrir a janela pela manhã e ver o espaço que ladeava a vala, branquinho de geáda, era comum dia após dia. A vala era um curso de água desviado do Mondego e que atravessava a Vila. Assim, uma fila de casas de norte a sul, tinham como vista principal a água, e logo depois as terras compostas com o verde das searas pouco depois das sementeiras, e do béje aquando das colheitas. Recordo todo esse percurso da Natureza, e o trabalho do Homem. Recordo e présto o meu respeito aos lavradores, que ali andavam dias inteiros segurando o arado, comandando o gado e "falando" com ele... Eram os Emilios, tres irmãos todos lavradores. Logo pela manhã com o gado puxando o carro, lá ia o Sr.Francisco... Se eu estava á porta ele dizia adeus, e tirava o chapéu. Eu acho que antigamente havia mais estima entre as pessoas... Estarei a pensar errado? Não sei. Sei que estimava muito este Sr. que era afilhado do meu Pai. Aliás eram afilhados do casamento os tres irmãos.
A vala hoje já não existe, estou a falar da minha terra, de Montemor-o-Velho.
Mas eu comecei por dar a entender que actualmente o tempo me influencía, e é verdade. Aproximação de trovoada dá-me mesmo mal estar, não é mania. Tempo escuro faz-me ficar triste. E ontem foi mesmo isso que me aconteceu. Eu tinha ouvido na rádio repetidas vezes que em Lisboa o sol tinha-se ausentado, que o céu estava cinzentão e que estava a chover. No entanto aqui na minha Figueira estava um sol brilhante e quentinho, que bom! Mas a certa altura também se escondeu. E daí a pouco o som duns pingos de chuva fez-se ouvir nos vidros da janela; e a seguir veio o granizo e o tempo escureceu. Aborrecida, levantei-me, e fui à varanda: fiquei a olhar a rua, os automóveis seguindo devagar por precaução, e o céu côr de chumbo. Daí a pouco começou a aclarar, e um arco iris apareceu no céu. Tão colorido, tão bonito! E coisa rara, inteiro; "parecia" começar no estádio de futebol e terminar no parque de campismo... A sua curva, qual abóbada, retinha dentro de si toda a urbanisação, onde num dos prédios eu me encontrava. Lamentei não ter uma máquina fotográfica que captásse por inteiro o bonito Arco Irís.
Fui buscar a minha pequenina, e como se costuma dizer "cada um dá o que tem..."

Fotografei só, dois pedacinhos do arco. A totalidade, ficou apenas na minha memória, e a imaginação ajudará a quem ler o que contei.

sexta-feira, 8 de março de 2013

O passado tão presente

Já tinha saudades de tocar as teclas deste incondicional companheiro que é chamado computador. Mas hoje recebi A Voz da Figueira, um semanário que é publicado nesta cidade, que agora também já é a minha cidade.
E na segunda página deste pequeno jornal, eu encontrei uma coluna que logo me prendeu a atenção. E tanto, que mesmo sem pedir licença à sua Autora, eu vou "roubar" e colocar aqui, algumas das suas palavras, e também a sua poesia.

Depois de referir que escreveu este poema em Maio de 1948 quando tinha dezoito anos, ela escreveu assim:

- Hoje, diante de um país ingrato e sem método, entregue a lideranças dúbias e mal formadas, nos meus oitenta e três anos de idade consumados em Novembro passado e, ao rever o que escrevera há mais de seis décadas, apercebi-me da actualidade do escrito. O desalento e a consciência das injustiças de então, são no todo semelhantes ao que sinto, e pressinto, em Março de 2013. Assim, passe a imodéstia de o fazer, trago esse jovem poema a público. Quem sabe possa ser relevante, sobretudo para algumas pessoas menos atentas que pouco refletem na situação politica e social do presente português.

Esperança?

Ruge um mar alteroso no meu peito
É terrível, horrendo, este bramir!
Tudo o que é paz, em mim fica desfeito,
Tudo o que é luta, em mim volta a surgir!

Tudo o que é dor, em mim não tem proveito,
Tudo o que é sangue, em mim, é doce advir!
Tu, justiça do Povo, tão sujeito,
Julgarás, matarás o que mentir...

Só assim, frente a frente, sem receios,
Sem armas, sem prisão, sem tiranias,
Cada um pode dizer dos seus anseios

Cada um pode julgar as cobardias!
E assim, sem temor, sem negras listas
Sereis julgados um dia, fascistas!

Estas são palavras datadas, sentimentos duma jovem em 1948, agrilhoada na ocasião a um país pobre, autoritário e sem futuro risonho, mas, embora o termo "fascistas" seja hoje demasiado forte ou excessivo, reitero em Março de 2013 o sentido global do poema!

 Maria Teresa
        Coimbra
      
Sra. D. Maria Teresa, mil perdões pela minha ousadia, mas confesso que senti pena ante a perspectiva "deste grito" ficar confinado apenas a um jornal...
Assim, aqui, voará como o vento !!!