quarta-feira, 25 de março de 2015

Na Primavera


No canteiro à entrada do prédio onde moro, a planta floriu. - Parei a olhá-la. - Há quem diga ser muito bonita, aqui chamam-lhe Estrelícia, mas também já ouvi chamar-lhe  Ave do Paraíso. Eu não aprecio, parece-me estranha como flor. Já imitação de ave, talvez... E aí sim a minha admiração, e louvor à Natureza.

domingo, 22 de março de 2015

Isto também é Portugal

O escritor Xavier de Maistre deixou-nos uma obra onde nos ensina a viajar, usando apenas a imaginação e pouco mais. Viagem ao Redor do Meu Quarto - é o título desta obra - um livro pequeno e antigo. Depreende-se já qual o teor, só o pensamento viaja...
Pois eu segui o modo apontado, e estando em casa e ao redor do meu quarto, viajei para um local onde já estive de passagem, e onde gostaria de voltar, mas a sério, não apenas em pensamento como hoje fiz.
Vou colocar duas fotos que fiz nessa altura, e são a única recordação, pois tive o azar de encontrar tudo encerrado, por motivo de doença dos funcionários que recebem as visitas.


Mas agora vamos adivinhar:- onde se situa esta "coisa" bonita e grandiosa ?
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Pois caros visitantes, já brincámos às adivinhas, e sabemos que se trata da cidade de Serpa, no Alentejo no nosso Portugal. É um pormenor do Castelo, e outro do Aqueduto que o abastecia de água. Vê-se muito pouco, Serpa vale bem uma visita demorada. Vamos até lá...

O Cosido à Portuguesa

No passado Domingo o Partido Comunista fez anos - 94 -
Num restaurante perto de Tavarede festejou-se o aniversário, e do programa constava também um almoço. Ali se reuniram  comunistas, simpatizantes, e outros que não sendo adeptos do Partido, são amigos e apreciam o convívio. Neste número está o meu marido, que embora aprecie algumas das teorias comunistas, não é nem jamais será, um comunista. Mas convívios venham eles! - E lá foi encantado da vida, de máquina fotográfica e tudo...  Eu sou ao contrário, não tenho paciência para tais eventos - ouvir discursos, sorrir, aplaudir, para mim isso é uma séca - a seguir vem a comida - como pouco, e depois ter de ficar a ver os outros mastigar, até que o repasto termine, é mesmo maçada.  Assim, mais uma vez fiquei em casa e fiquei bem.
Pelo meio da tarde ele regressou. Mal entrou em casa veio ter comigo e falou assim: -  ai mulher pensei tanto em ti ... Toma!  E estendeu-me um lindo cravo vermelho, e até me brindou com dois beijinhos.- Muito bem, muito bem, afinal não é todos os dias que eu sou assim mimada, disse eu a rir.
- Deram um cravo aos presentes, não foi?
- Foi, e eu pensei logo que o trazia para ti.
-E fizeste muito bem, porque eu gosto muito de mimos e de cravos. Pena ser só um.
E ele continuou; - ah, mas não calculas o quanto eu pensei em ti... E repetia, pensei tanta vez...
- Achei estranho, e perguntei - mas afinal porquê ?
-Porquê ? Eu digo - Por causa do teu cosido à portuguesa!
Os meus vizinhos de mesa diziam sem ninguém perguntar, que estava muito bom... E eu pensava, um tanto desconsolado, está bom? - vocês haviam de comer aquele que a minha mulher faz...

Desatei a rir...Eu lá tinha o palpite de que não havia razão para o "homem" estar a pensar tanto em mim, ( já lá vai o tempo, não tenho queixas, só que agora há mais equilíbrio) embora eu não rejeitasse se fosse o caso. Mas não, o cerne da questão era afinal o cosido à portuguesa...
                 Ainda a rir, fui colocar o cravo num solitário com água, e a seguir fotografei.


quarta-feira, 18 de março de 2015

Nuvens

                                      " Mas estarão a arder ?"

terça-feira, 10 de março de 2015

Não Há Mal Que Sempre Dure

                  (conclusão do conto anterior, Cá se Fazem)

Carregando apenas uma mala, Marília entrou naquele hotel de luxo. Na recepção identificou-se e aguardou. A D. Eva, supervisora do hotel, veio ao seu encontro, sorridente, e acompanhou-a ao quarto que lhe estava destinado. Sem perder o sorriso, convidou-a a tomar café, ou até uma refeição, Marília agradeceu mas não sentia necessidade, e por isso não aceitou. -  então ela saiu, mas antes ainda lhe disse que a deixava só, para que descançásse e arrumásse as suas coisas, que mais tarde falariam, e que só ao outro dia  iniciava o seu trabalho.

Marília abriu a janela: o hotel situava-se num local um tanto isolado; rodeado por  árvores frondosas, a que se seguia uma mata matizada de muitos verdes, e não muito distante distinguia-se a serra. Muito bonito, murmurou para si própria - desfez a mala, arrumou tudo e sentou-se.

Tinha reunido toda a coragem para não se sentir infeliz, e agora só receava não ser capaz de cumprir bem o trabalho, que tinha procurado e felizmente encontrado.
Foi com mágoa que a irmã aceitou esta sua decisão, mas Marília tinha pensado muito, durante as longas noites sem sono, ao lado da mãe doente; com o passar do tempo tornou-se visível que aquela vida se extinguia a cada dia, e Marília queria estar junto dela até ao fim... Mas depois iria embora, não era justo continuar ali. Sabia bem do quanto a irmã lhe queria, mas por isso mesmo, merecia ser feliz ao lado do marido, viverem na sua intimidade, sem outra presença por perto.
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No dia seguinte, já a par do que seria o seu trabalho, Marília levantou-se cedo, tratou de si própria e arrumou a cama. Bateram à porta, foi ver ; - era uma criada; - pediu para entrar e colocou-lhe em cima da cama, a farda que ela devia usar para servir à mesa. Com um até já, sorridente, saiu e fechou a porta.
Marília pegou na roupa - Um vestido preto com uma linda gola de renda branca, e um avental bordado, de organdi branco. Pousou o vestido, e ficou com o avental nas mãos. Sentiu-se fraquejar, ela que sempre tivera criadas, era agora uma criada também... Sentou-se, e lágrimas abundantes rolaram-lhe pelas faces, antecipando os soluços que a sufocavam. Incapaz de se controlar, permaneceu assim durante alguns minutos... Depois, quase de súbito, levantou-se, e a meia voz falou para si própria: - esquecêste-te Marília? - Cá se fazem, cá se pagam!!!
Correu a passar água na cara, vestiu o fato preto, e aprimorou-se a fazer o laço do avental. Fez uma maquilhagem muito discreta, olhou-se no espelho ensaiando um ar alegre, e desceu ao encontro do seu primeiro trabalho.
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Já tinha passado mais dum ano. Marília gostava do trabalho que preenchia os seus dias no hotel. Estimava todas as colegas de trabalho, e toda a gente ali dentro, e tinha granjeado a estima de todos pela sua pessoa. Mostrava-se sempre satisfeita, ninguém diria o que aquele coração albergava. Era de noite sósinha no seu quarto, que ela convivia com as suas mágoas. Chorava com saudades do seu Fernandinho. Tinha noticias dele só pela irmã do Alex que vivia em Cascais. Ele continuava em África e nem queria ouvir falar na Marília, até ensinou ao menino que a mãe era a Lena, a sua esposa.
Ela pensava também nas filhas. A madrinha delas, a enfermeira Rita nunca a excluíra da sua amizade, e era por ela que recebia noticias regularmente, mas sempre à revelía do Dr. Gustavo.
Marília sentia que nunca mais as voltava a ver, nem ao menino, e só pedia a Deus que lhe désse conformação.
Ao Domingo era o seu dia de descanso. Saía do hotel pela manhã, caminhava a pé até à Vila que ficáva a poucos kilómetros dali, e ia assistir à missa. Gostava de chegar antes, queria falar com Deus.
Depois da missa, almoçava num restaurante modesto que existia próximo da Igreja, lia o jornal, e saía, de regresso ao hotel. Tinha um porte quase distinto, era impossível não se reparar nela, mas também era difícil dirigir-lhe palavra, além do Bom-Dia. Sentia-se bem assim, naquele recato, era empregada no hotel, e donde tinha vindo ninguém sabia.
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Estava muito calor naquela tarde de Domingo, e depois de almoçar Marília decidiu ir até ao Jardim da Vila até que ficásse mais fresco, para se fazer à estrada, de regresso ao seu lugar de residência. Escolheu um banco com sombra e sentou-se.
Nunca ali tinha estado, pensou. Era agradável aquele local. Olhou em volta, e reparou num prédio não muito grande mas de bonita arquitectura, era uma residêncial. Numa das varandas via-se uma placa com a palavra VENDE-SE.
Desviou o olhar, mas daí a pouco estava de novo a observar, e desta vez viu melhor- Residêncial Esperança. Inesperadamente uma ideia luminosa ocupou-lhe o pensamento... - E se eu... Será que o valor que tenho no Banco, chega? E isto será bom? Não tinha ninguém a quem pedir conselho ou opinião e sentiu-se esmorecer... mas depois reagiu; e decidida, avançou em frente. A porta estava aberta, entrou....
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Um mês depois, terminadas umas obras de restauro, a Residencial Esperança anunciava a sua reabertura, com nova Gerência da sua Proprietária D. Marília Matos Silva.
"Foi uma boa aquisição, diria Marília anos mais tarde aquando duma visita à irmã."
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Os anos passaram, eram já muitos... O Dr. Gustavo residia na Cidade do Cabo na África do sul, para onde se tinha mudado conforme havia decidido; tornou-se um exímio cirurgião, e além do trabalho que realizava no hospital, era um conferencista famoso, admirado e respeitado até pelos próprios colegas. As filhas seguiam-lhe as pisadas: - também elas cursaram medicina, e concluída a licenciatura estudavam agora para uma especialização. ( Recordavam a mãe, que era tão nova quando faleceu, num acidente de viação. O pai ainda tinha a fotografia dela na secretária do escritório - como era linda, comentavam elas...)
Com a colaboração da "sua mãe preta" a dedicada Rosy, que sofria com os azares dos seus senhores, ou se alegrava com as suas alegrias, o Dr. Gustavo conseguiu manter perante as filhas, aquela mentira do acidente mortal.
Porém, chegou um dia em que uma das filhas, por acaso ouviu uma conversa telefónica entre a Rosy e a Madrinha, falavam na mãe... Contou à irmã, e as duas com boas palavras e toda a dedicação que tinham pela "mãe preta", conseguiram que ela lhes contásse a verdade. Mas foi muito difícil, e só abriu mão do segredo com a condição das "suas" meninas nunca dizerem nada ao Papá.- Elas prometeram, e cumpriram, guardaram segredo absoluto. Completamente decepcionadas e tristes, confessaram que preferiam sabê-la morta, traíra o pai que elas adoravam, não a queriam ver nunca...
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O Fernandinho, agora era o Fernando, com vinte anos, deixou África e veio para Lisboa completar os estudos Universitários. A tia que nunca apoiou o comportamento do irmão, achou por bem contar ao sobrinho quem era a sua mãe verdadeira, mesmo correndo o risco de represálias por parte do Alex.
Aquela notícia foi para o Fernando como que um presente...
E Marília pôde finalmente abraçar o filho, que o pai lhe tirara  quando ele tinha apenas dois anos, e que nunca mais a deixara voltar a vê-lo. Foi emocionante este reencontro... O primeiro, de muitos.    
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Marília administrava com mestria o seu pequeno empreendimento, e estava bem financeira e socialmente, naquela terra que ela adoptou como sua. Agora que já tinha abraçado o seu Fernandinho, só as saudades das filhas se mantinham lancinantes. Soubera pela comadre Rita, da reação negativa que elas haviam manifestado em relação a ela. - Compreendeu, sofreu, e chorou muito, e  mais uma vez pensou:- Cá se fazem, cá se pagam.- Não tenho alternativa...
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Passaram mais uns anos. O cabelo de Marília começava a semear de branco, ela ainda era bonita, mas sentia-se a caminhar para o fim. Sem nunca se desfazer do seu monólogo de afirmações, verdadeiras no seu conceito, repetia para si ao lembrar-se das filhas, - é ainda o meu castigo...

Mas não há mal que sempre dure...  Marília, emocionada, acabava de ler uma carta que tinha chegado à poucos minutos, e vinha de África. Nem queria acreditar...  

" Mamã,
Perdoa-nos. A nossa fé diz que não devemos ser juízes de nossos pais.
Temos sido, em relação a ti, mas não queremos ser mais.
Escrevo-te cheia de tristeza; o Papá partiu para sempre. Partiu sem sofrimento.
Ele não merecia  sofrer, tu sabes;  mas  merecia viver mais tempo.
Estamos muito tristes nem tenho palavras...
Sei que te é possível, vem visitar-nos, vem por uns dias, queremos ver-te.
A Rosy está velhota, e diz que não quer morrer sem te abraçar.
Tenho tantas coisas para falar contigo, e nem consigo escreve-las aqui, estou sem jeito.
Esperamos que nos perdoes, e que venhas.
Lita e Mila
Beijinhos."
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No mês seguinte, Marília voou na T A P para África ao encontro das filhas. O filho foi abraçá-la ao aeroporto da Portela, desejar boa viajem e fazer companhia até à hora da partida.

A viagem pareceu-lhe muito longa, de tanta pressa que tinha de as ver e abraçar...Queria que lhe perdoássem, queria ouvir dos lábios delas, para ter a certeza do seu perdão.
E foram emoções extraordinárias, únicas talvez, naquele reencontro à chegada, e continuadas embora de modo mais calmo, durante a curta estadia de Marília naquela casa, que tão bem conhecia. Foram dias maravilhosos, inesquecíveis mesmo.
Depois chegou o dia e a hora, de as deixar; - foi difícil o adeus, sorriam, choravam, mas estavam felizes. Num ultimo abraço envolvendo as duas filhas, Marília murmurou "agora já posso morrer!" E dirigiu-se para o avião.

A viagem de  regresso foi calma, sem turbulência. Marília olhava pela janela do avião e via as nuvens flutuando no céu azul, enquanto as horas passavam demasiado morosas. Uma enorme serenidade tomou conta de si, convidando ao sono. Apertou o cinto, encostou a cabeça, e cerrou os olhos...
Pouco depois adormeceu.
Não tardou a ouvir vindo de longe um conjunto de vozes que cantavam, alternando com os sons de violinos, uma musica muito suave, muito bela... ela conhecia; - procurou lembrar-se do autor... Ah, sabia, pois; era Schubert , era a famosa Avé-Maria... Os cantores caminhavam a passos lentos, mas estavam agora mais perto, ela quase lhes distinguia as feições, pararam. E um dos personagens avançou alguns passos na sua direção e parou também - Era o Dr. Gustavo, que sorridente e de braços abertos lhe dizia em voz alta: - Vem Marília! Vem! Estás Perdoada!
Ela gritou bem alto: - Eu Vou! Eu Vou! - E correu, correu tanto, até cair de cansaço...

No aeroporto à chegada, a aterragem foi normal. E um tanto apressados todos os passageiros saíram do avião, excepto a Marília, que tranquilamente, continuava a dormir, mas desta vez para sempre, no profundo sono eterno.