quarta-feira, 14 de março de 2012

10 de Março de 1966

Quantas folhas de calendários se desprenderam já, ao longo destes quarenta e seis anos, sem me ser possível esquecer esta data. É uma recordação triste, que ainda dói, mas mesmo assim quero guardá-la, quero que viva comigo enquanto eu tiver memória. Aquele dia amanheceu sem sol,o tempo estava seco mas enevoado. Porém eu tinha a alegria na alma. Quase ainda era noiva, pouco mais dum mês tinha passado sobre o dia em que casada, passei a viver naquele 2º andar espaçoso e soalheiro na Cova da Piedade. Costumava ao fim da tarde quando começava a anoitecer, vir para a janela porque ao fundo da rua estava uma paragem de autocarros, e o meu marido vinha num deles. Eu esperava-o ansiosa, alvoroçada e feliz; via-o saltar do autocarro e depois caminhar apressado rumo a nossa casa.
Eu não cabia em mim de contente, e um dia pensei -daqui a uns tempos eu quero ir a Montemor, quero ir ver o meu pai e pessoalmente dar-lhe conta da minha felicidade. Vou aparecer lá de surpresa. Será daqui a um mês, ou dois, mas vai ser.
Mas na sequência daquele projecto tão alegre, um receio me assaltou. -E se o meu pai entretanto parte para o além? Com toda a força da minha alma eu afastei de imediato tal pensamento negro, e como crente que era nessa altura,disse para mim própria, e em vóz alta, não! -Deus não me fará esse mal !-E continuei com alegria a alimentar o projecto.
Em frente à minha casa havia uma pequena mercearia,donde eu passei a gastar.Era o proprietário que atendia e tinha um empregado, um miúdo ainda, que todos os dias logo de manhã vinha saber o que eu precisava; tomava nota num bloco,e depois vinha entregar.
Naquele dia sem sol, o miúdo tocou-me à campainha como de costume, mas além do recado habitual, ele trazia outro que se apressou a dizer primeiro.- Um recado da terra da senhora.
-Para telefonar com urgência; ao mesmo tempo que me estendia um quadrado de papel com um numero de telefone. Pensei logo o pior, mas recusei acreditar.
Ansiosa saí de casa e caminhei até aos correios que não ficavam perto.Pouco depois no telefone surgiu a voz dum amigo, que apelando à minha coragem me deu a mais triste noticia que eu alguma vez queria ouvir. O meu pai já tinha adormecido para sempre. Paguei a chamada telefónica, e calada saí do edifício. Sósinha, sem conhecer ninguém ali, e chocada com a dura realidade daquela perda irreparável, eu senti-me como que perdida num espaço sem limites.
Algo tonta, uma sensação de vazio envolveu-me, vacilei e encostei-me ao muro duma pequena ponte que ali existia. Uns soluços descompassados mas sem lágrimas, abriam-me o peito...
Passaram segundos, talvez minutos, não sei... triste e desanimada deixei o muro, único amparo naqueles instantes, e voltei aos correios para telefonar ao meu marido, que no trabalho ignorava tudo isto.
Viajámos para Montemor no comboio internacional o SUD como era designado, que ia para França e só parava em Fátima e em Coimbra, onde descemos para apanhar um táxi. Durante toda a viagem um vasto rol de boas recordações apareciam uma a uma na minha imaginação, e que saudades eu sentia já. E indagava de mim própria com amargura, se enquanto o meu pai estava entre nós, eu teria sabido valorizar devidamente a sua enorme dedicação por mim... ele conduzia-me como pai, e mimava-me como avô, possivelmente em virtude da idade de avô que ele tinha quando eu nasci.
Ainda vivem Montemorenses que se recordam dos nossos passeios ao Domingo e eu a fotografar pormenores da Vila. E eu lembro também algumas expressões carinhosas das pessoas que encontrávamos e nos saudavam, e nós saudávamos; por exemplo esta " ó sr. Abel porque não pôs a esta menina o nome Marianinha ? o nome da sua mãesinha, ela é tal e qual a Ti Mariana que Deus tem..."

-E ele sorria e explicava -olhe receei que depois lhe chamassem Ana, e como não gósto...
E assim em catadupa tudo a memória me trazia, incluindo a ultima vez que pelo seu braço eu caminhei, foi até ao altar no dia do meu casamento,tinha sido há tão pouco tempo. Nunca mais o voltei a ver, e não mais o veria com vida.
No dia seguinte, no dia 11 de Março com alguns amigos à nossa volta, eu em extremo silêncio, vi o meu pai baixar à terra. Ouvi uma voz ao meu lado dizer para o meu marido -ó Olímpio tire a menina Dília daqui, leve-a... Era a Francelina,uma pessoa modesta, porém rica no sentir, quanto ao próximo. Um táxi aguardáva-nos ao portão, e de imediato fomos embora rumo à Capital.
Um tanto revoltada, senti que na minha terra eu já nada tinha, e nem mesmo uma visita àquele local a que chamamos sagrado, eu desejava fazer. E passaram anos sem eu voltar. Mas um dia voltei; levei um ramo de cravos, e tive de pedir auxilio ao empregado, porque entre as campas ornamentadas apenas pelas ervas que nascem espontâneas, eu não encontrava a que procurava. E então chorei, chorei o que não tinha chorado anos antes, naqueles inesquecíveis dias 10 e 11 de Março de 1966.
O meu pai tinha jazigo de família, mas cedo afirmou não querer ser lá colocado. Queria ser sepultado como a mãe, e para além desse sentimento, tinha passado a vida ao lado dos pobres, não seria na morte que se afastaria deles.E por isso ali estava ornamentado com as ervas que a natureza pródiga distribui sem reservas.Isso não o afectaria eu sei, mas era demasiado duro para mim, não aguentei.E logo no dia seguinte tratei da compra daquele chão, e de seguida mandei colocar uma campa como ele merecia, sem contudo entrar em luxos exagerados que ele condenaria. Numa placa mandei gravar também umas frases em que lhe peço perdão por o estar a contrariar, mas que de cabeça baixa lhe presto homenagem.
Nunca mais aconteceu não saber o local do seu repouso, pois jamais deixou de ter flores e uma luz acesa sempre,dia e noite.

Quis falar no meu pai, recordá-lo aqui na data do seu falecimento, mas agora que acabo de ler, reconheço que me faltou engenho, não soube fazê-lo devidamente, não gosto do que escrevi...
Num dos habituais passeios pela Vila consentiu que eu o fotografasse, sentado no muro da feira. Vou colocar aqui essa fotografia.

domingo, 4 de março de 2012

Distração prolongada....

Quase sem dar por isso chegou o sábado e reparei que já faz oito dias que chegámos ao Porto. Eu gosto do meu Portugal, poucos são os lugares que visitei onde não tenha encontrado belezas que não esqueço. Recordo a primeira vez que fui à Cidade Invícta; lembrava-me de ter ouvido algumas opiniões no sentido de que o Porto era feio, negro e triste, e nessa expectativa lá fui, ou melhor fomos, não em passeio mas mesmo assim ainda deu para ver um bocadinho da grande cidade, e do que vi gostei. Como viviamos em Braga, que na época sem vias rápidas nem boa estrada, ficava a sessenta kilómetros de distância,quase todos os meses ali nos deslocávamos por motivos relacionados com a profissão do meu marido. Iamos no fim do almoço, e passeavamos, porque só à noite depois do jantar tinham lugar os trabalhos. Descobrimos um restaurante do nosso agrado, o Antunes, que ainda hoje existe, e ficámos clientes. Lembro-me sempre que foi ali que passei a gostar de salada de agriões... e também não esqueço outro facto passado ali pertinho. Estavamos a chegar e à procura dum local para estacionar, quando reparámos num recanto mesmo a geito, aproveitámos, claro, e bemdissemos a sorte! Na vez seguinte seguimos no mesmo sentido, mas incrédulos diziamos "hoje não vamos ter sorte"... mas o recanto lá estava, livre, parecia estar à nossa espera...e assim sucedeu durante muito tempo, meses mesmo, até já lhe chamavamos nosso...
Até que um dia descançados da vida e ainda dentro do carro, reparámos que um grupo de trabalhadores que descançavam sentados numa obra ao lado, nos faziam sinais: deu para rir, porque não era a policia... na parede, quase encostado ao carro estava o sinal proibitivo de estacionar...
Ainda hoje me pergunto,como foi possivel nunca o termos visto ?

Para mim o Porto é uma cidade bonita, com as suas praças bem desenhadas, edificios em que a pedra ganhou formas pela mão de artistas famosos, as sacadas onde abunda o ferro forjado tipo renda de côr escura,as altas torres de pedra lavrada,as suas estátuas lembrando o passado e uns tantos portugueses ilustres,as muitas igrejas, a Sé Patriarcal,os jardins, o rio Douro, as pontes, a zona antiga muito caracteristica, sombría sim, mas única talvez. Depois a parte moderna, as largas avenidas e os altos edificios, não bonitos (no meu conceito) mas elegantes e cómodos. Emfim é sempre pouco, tudo quanto se diga sobre o Porto, é preciso ir até lá, e passear sem pressa. Um passeio de barco no Douro também não é de excluir. E já agora experimentar a sua gastronomia, e sentir a atenção do seu povo.

Para vos incentivar,vou aqui deixar umas fotografias.