quarta-feira, 25 de abril de 2012

Cantar glórias? Como ?

O tempo passa e altera os nossos gostos e comportamentos. Mas se não for para nos tornar piores, tudo está certo. E porque digo isto ? Porque cá por casa algumas alterações surgiram e ficaram. O meu marido que aos Domingos saía da cama cedinho para ir fazer longas caminhadas a pé, de há uns tempos para cá trocou este desporto por outro. Levanta-se cêdo ainda com tempo escuro, e vai tratar de tomar o pequeno almoço. De seguida volta para a cama com a afirmação de que está todo quentinho por dentro e por fora, e adormece de novo num sono pesado como se fosse o inicio da noite. Eu por vezes só me apercebo quando ele regressa sorrateiro,e não interrompo o projecto da nova soneca.
Hoje eu também fiz igual. Pouco passava das oito da manhã, mas o vento e chuva davam inicio a um dia sem sol, escurinho, e sinceramente tomar o café e voltar para a cama, tornou-se mesmo tentador e desta vez aceitei a tentação.
Voltei para o quente, mas sono não apareceu, e naquele socego pude ouvir com atenção, quando chegou a hora, a transmissão feita a partir da Assembleia da Républica da comemoração dos 38 anos do 25 de Abril. O meu interesse ia no sentido de ouvir o Sr. Presidente da Républica. Há sempre uma certa expectativa, e mais neste ano porque alguns portugueses se demarcaram, e não quiseram estar presentes na sessão. Ouvi então o Dr. Cavaco Silva que durante grande parte do seu discurso, inumerou as muitas valências adquiridas, e as potencialidades do nosso País e dos Portugueses, realçando valores, nomeadamente acerca do numero elevadissimo de doutorados, mestrados, engenheiros, etc... Também falou da nossa enorme costa maritima,até quanto à distância kilométrica, que é substâncial... Enfim, uma enorme avalanche de coisas boas que não me foi possível reter, e nem valia a pena porque toda a gente que quis ouvir, ouviu. Quem desconhecêsse a verdade nua e crua da vida actual dos portugueses, e ouvisse esta parte do discurso, queria logo vir para aqui, porque isto era o paraíso na terra. Fiquei pasma ! Então metade dos portugueses passa fome, recolhe-se o que sobra em locais onde se confeciona alimentação, para tentar minorar a necessidade de quem não tem que comer. Já pensaram a tristeza que é estar á espera dum resto? E no entanto é a realidade, a triste realidade. E o Sr. Presidente a "mostrar" progressos...
Eu até falei alto e disse : acredito que os jovens licenciados, mestrados,doutores e afins, sejam agora muitos,e que actualmente a população jovem seja erudita, mercê dos estudos que adquiriram. Muito bonito sim ! Mas a maior parte destes jovens onde está colocada ? Num trabalho compatível com o que aprenderam ? Com um ordenado justo ? Puro engano ! Vão aos supermercados encontram lá alguns, a trabalhar nas caixas. Outros em casa a viver à custa dos pais.
E no sector fabril? As fábricas fecharam. E os operários como estão ? Desempregados ! E a entregar as casas que adquiriram e não conseguem pagar. E os Bancos a vende-las por tuta e meia a quem se aproveita da miséria dos outros para ser feliz. Isto não é altura para cantar glórias...
Este Sr.Presidente ou não quer ver, ou não pode ser franco!
Depois o resto do discurso é o vira o disco e toca o mesmo... é sempre a apelar à união entre os portugueses. Ah,mas uma coisa o preocupa sobremaneira é a opinião pública Internacional, acerca de nós... Sempre as aparências em vez dos alicerces.
Eu sempre ouvi dizer que " galantería sem algo pra mastigaría, é gaita que não assobia."
E estou de acôrdo.


sexta-feira, 20 de abril de 2012

O sonho e a desilusão do Poeta

Não tenho aparecido por aqui. Eu até quero apresentar desculpas aos meus visitantes. Lá vejo no contador os seus locais de residência, e alguns até já são amigos, e eu preguiçosa nada de escrever. Mas, aceitem o meu pedido que é sincero, isto não é só preguicite, também tenho andado adoentada e por isso sem paciência.
No entanto, ler é um hábito que não dispenso, e neste caso ao reler umas poesias dum dos meus poetas de eleição, reparei que neste ano (desconheço mês e dia) somam 170 anos sobre o seu nascimento.Foi em Ponta Delgada na ilha açoriana de S. Miguel.
Eu quero aqui colocar um pouco da sua poesia. Confesso que está a ser dificil a opção, eu quero um soneto, mas como gosto de todos...
Bem, decido-me por este.

O Palácio da Ventura

Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, pos sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busco anelante
O palácio encantado da Ventura !

Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura ...
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formosura !

Com grandes golpes bato à porta e brado :
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado ...
Abri-vos, portas d'ouro, ante meus ais !

Abrem-se as portas d'ouro, com fragor...
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão - e nada mais !

( Antero do Quental )

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Jesus Cristo e o discipulo traidor

A Caridade e a Justiça

No topo do calvário erguia-se uma cruz,
E pregado sobre ela o corpo de Jesus.
Noite sinistra e má. Nuvens esverdeadas
Corriam pelo ar como grandes manadas
De búfalos. A lua, ensanguentada e fria,
Triste como um soluço imenso de Maria,
Lançava sobre a paz das coisas naturais
A merencória luz feita de brancos ais.
As árvores que outrora em dias de calor
Abrigaram Jesus, cheias de mágoa e dôr,
Sonhavam, na mudez hercúlea dos heróis.
Deixaram de cantar todos os rouxinóis.
Um silencio pesado amortalhava o mundo.
Únicamente ao longe o velho mar profundo
Descantava chorando os salmos da agonia.
Jesus, quase a expirar, cheio de dôr, sorria.
Os abutres cruéis pairavam lentamente
A farejar-lhe o corpo ; às vezes, de repente,
Uma nuvem toldava a face do luar,
E um clarão de gangrena, estranho, singular,
Lançava sob a cruz uns tons esverdeados.
Mas passado um instante a lua branca e pura
Irrompia outra vez da grande névoa escura,
E inundavam-se então as chagas de Jesus
Nas pulverisações balsâmicas da luz.

No momento em que havia a grande escuridão
Cristo sentiu alguém aproximar-se, e então
Olhou e viu surgir, no horror das trevas mudas,
O covarde perfil sacrílego de Judas.
O traidor, contemplando o olhar do Nazareno,
Tão cheio de desdém, tão nobre, tão sereno,
Convulso de terror, fugiu ... Mas nesse instante
Surgiu-lhe frente a frente um vulto de gigante,
Que bradou :

- É chegado enfim o teu castigo !
-O traidor teve medo e balbuciou :
- amigo,
Que pretendes de mim ? dize, por quem esperas ?
Quem és tu ?

- « o Remorso, um caçador de féras,
Disse o gigante. Eu ando cá há mais de seis mil anos
A caçar pelo mundo as almas dos tiranos,
Do traidor, do ladrão, do vil, do selerado ;
E depois de as prender tenho-as encarcerado
Na enormíssima jaula atroz da expiação.
E quando eu entro ali na imensa confusão
De tigres,de leões, d'abutres, de chacais,
De rugidos febris e de gritos bestiais,
Fica tudo a tremer, quieto de horror e de espanto.
Caím baixa a pupila e vai deitar-se a um canto.
E quando em suma algum dos monstros quer lutar
Azorrágo-o co'a luz febril do meu olhar,
Dando-lhe um pontapé, como num cão mendigo.

Já sabes quem eu sou, Judas ; anda daí comigo ! »

Como um preso que quer comprar um carcereiro,
Judas tirou do manto a bolsa do dinheiro,
Dizendo-lhe :

- Aqui tens, e deixa-me partir ...

-O gigante fitou-o e começou a rir.
Houve um grande silêncio. O infame Iscariote,
Como um negro que vê a ponta dum chicote,
Tremia. Finalmente o vulto respondeu :

« Judas, podes guardar esse dinheiro ; é teu.
O oiro da traição pertence-lhe, ao traidor,
Como o riso à inocência e como o aroma à flor.
Esse oiro é para ti o eterno pesadelo.
Oh ! guarda-o, guarda-o bem, que eu quero derretê-lo,
E lançar-to depois cáustico, vivo, ardente,
Lançar-to gota a gota, inexoravelmente,
Em cima da consciencia, a pútrida, a execrável !
Com ele hei de fundir a algema inquebrantável,
A grilheta que a tua esquálida memória
Trará, arrastará pelas galés da história,
Durante a eternidade ilimitada e calma.
Essa bolsa que aí tens é o cancro da tua alma :

Já se agarrou a ti, ligou-se ao criminoso,
Como a lepra nojenta ao peito do leproso,
Como o iman ao ferro e o verme à podridão.
Não poderás jamais largá-la da tua mão !
És traidor, assassino, hipócrita, perjuro ;
A tua alma lançada em cima dum monturo
Faria nódoa. E tudo o que há de mais vil,
Desde o ventre do sapo à baba do réptil.
Sái da existência ! dize á sombra que te acoite.
Monstro, procura a paz ! verme, procura a noite !
Que o sol não veja mais um único momento
O teu olhar oblíquo e o teu perfil nojento.
Esse crime, bandido, é um crime que profana
Todas as grandes leis da consciencia humana,
Todas as grandes leis da vida universal.
Esconde-te na morte, assim como um chacal
No seu covil. Adeus, causas-me nojo e asco.
Deixo dentro de ti, Judas, o teu carrasco !
És livre; adeus. Já brilha o astro matutino,
E eu, caçador feroz, cumprindo o meu destino,
Continuarei caçando os javalís nos matos.»

E dito isto partiu a procurar Pilatos.

Vinha rompendo ao longe a fresca madrugada.
Judas, ficando só, meteu-se pela estrada,
Caminhando ligeiro, impávido, terrivel,
Como um homem que leva um fim imprescritivel,
Uma ideia qualquer, heróica e sobranceira ;
De repente estacou. Havia uma figueira
Projetando na estrada a larga sombra escura ;
Judas, desenrolando a corda da cintura,
Subiu acima, atou-a a um ramo vigoroso,
Dando um laço à garganta. O seu olhar odioso
Tinha nesse momento um brilho diamantino,
Reto como um juíz, forte como um destino.

Nisto ecoou através do negro céu profundo
A voz celestial de Jesus moribundo,
Que lhe disse :

- « Traidor, concedo-te o perdão
Além de meu carrasco és inda meu irmão.
Pregáste-me na cruz ; é o mesmo, fica em paz,
Eu costumo esquecer o mal que alguém me faz.
Eu tenho até prazer, bem vês, no sacrificio.
Não te cause remorso o meu atroz suplício,
Estes golpes cruéis, estas horriveis dores ;
As chagas para mim são outras tantas flores ! »

Judas fitou ao longe os cerros do calvário,
E erguendo-se viril, soberbo, extraordinário,
Exclamou :

- « Não aceito a tua compaixão.

A justiça dos bons consiste no perdão.
Um justo não perdoa. A justiça é implacável,
A minha ação é infame, hedionda, miserável ;
Preguei-te nessa cruz, vendi-te aos Fariseus.
Pois bem, sendo eu um monstro e sendo tu um Deus,
Vais ver como esse monstro, ó pobre Cristo nu,
É maior do que Deus, mais justo do que tu :
À tua caridade humanitária e doce,
Eu prefiro o dever terrivel ! » E enforcou-se.

( Guerra Junqueiro )



"Palavras minhas para quê ? De todo aqui inoportunas."

Apenas quero desejar às minhas amigas e amigos que visitam o meu blog,
Boas e alegres Festas Pascais.

domingo, 1 de abril de 2012

Poesia de António Gedeão

Olá amigos que amávelmente me visitam. Desculpem-me, porque eu dei ouvidos á perguiça,e não voltei a colocar nada neste meu birras. Tem sido assim uma espécie de birra sem motivo, que está a querer ser mais forte do que eu; mas vai passar.
Hoje saí, saímos,de casa cedinho de novo rumo ao norte, mais concretamente para Leça da Palmeira onde na Exponor estava a decorrer a Expocosmética, mais um Salão Internacional de Cosmética e Cabelo. Um evento extraordinário totalmente voltado para a beleza feminina e masculina.E entre as centenas de profissionais que ali acorreram, lá esteve o meu marido,como é habitual.
Ainda entrámos no Porto mas de passagem. A viagem foi boa, sem sol é certo, mas com tempo seco. Eu não gosto de viajar de carro com chuva, mas dado as circunstâncias da seca prolongada, hoje quando aparecia uma nuvem mais escurinha eu até desejava que logo começásse a chuver; mas tal não aconteceu. Por outro lado vi-me a braços com uma indisposição. Uma situação dolorosa mesmo, que me apoquentou durante bastante tempo. De modo que hoje não tenho história para contar, mas diz o velho ditado "quem não aparece, esquece", e como eu não quero que me esqueçam, apareci, e vou aqui colocar uma poesia que suponho não ter sido muito divulgada. É do poeta, escritor e pedagogo Rómulo Vasco da Gama de Carvalho, mais conhecido pelo pseudónimo literário António Gedeão.Da sua autoria todos conhecemos A Pedra Filosofal, A Lágrima de Preta, poemas que foram musicados e aos quais, cantores portugueses deram voz. Assim escolhi este, talvez menos conhecido, ligado à pedra, à escultura, e ao trabalho dos artistas canteiros.

Poema da Pedra Lioz

Álvaro Gois
Rui Mamede,
filhos de António Brandão,
naturais de Cantanhede,
pedreiros de profissão,
de sombrias cataduras
como bisontes lendários,
modelam ternas figuras
na brutidão dos calcários.

Ali no esconso recanto,
só o túmulo, e mais nada,
suspenso no roxo pranto
de uma fresta geminada.
Mas no silêncio da nave,
como um cinzel que batuca,
soa sempre um truca... truca...
lento, pausado, suave,
truca, truca, truca, truca,
sob a abóbada românica,
como um cinzel que batuca
numa insistência satânica:
truca, truca, truca, truca,
truca, truca, truca, truca.

Álvaro Gois,
RUI Mamede,
filhos de António Brandão,
naturais de Cantanhede,
ambos vivos ali estão,
truca,truca, truca, truca,
vestidos de surrobeco
e acocorados no chão,
truca, truca, truca, truca.

No friso, largo de um palmo,
que dá volta a toda a arca,
um Cristo, de gesto calmo,
assiste ao chegar da barca.
Homens de vária função
barrigudos e contentes,
mostram,no riso dos dentes,
o gozo da salvação.
Anjinhos de longas vestes,
e cabelo aos caracóis,
tocam pífaros celestes,
entre cometas e sóis.
Mulheres e homens, sem paz,
esgazeados de remorsos,
desistem de fazer esforços,
entregam-se a Satanás.

Fixando a pedra, mirando-a
quanto mais o olhar se educa,
Mais se entende o truca... truca...
que enche a nave, transbordando-a,
truca, truca, truca, truca,
truca, truca, truca, truca.
No desmedido caixão,
grande senhor ali jaz.
Pupilo de Santanás ?
Alma pura, de eleição ?
Dom Afonso ou Dom João ?
Para o caso, tanto faz.



António Gedeão