Já faz algum tempo que não escrevo,nem pouco nem muito; e contudo escrever como ler, é um dos meus passatempos favoritos,mas a perguiça ganhou vantagem e até as cartas para as amigas estão em atrazo; "isto é mau"... mas hoje resolvi contrariar a apatia e recordar.
Eu tinha uma meia irmã com idade para ser minha mãe, que residia no Barreiro com os filhos,era divorciada e operária fabril na C.U.F. no tempo em que esta emprêsa "era um mundo" com milhares de trabalhadores,os quais tinham algumas regalias,nomeadamente férias,(estavamos em 1950).A minha irmã como montemorense que era,vinha passar esses dias à nossa terra,na minha casa.Era ainda nova e como tal,alegre.Numa dessas estadias entre nós,que eu nos meus 13 anos adorava,ela desafiou a minha mãe para irmos à festa da Raínha Santa a Coimbra,à procissão do dia. Da ideia passaram á prática,fizeram o farnel e no dia seguinte logo de manhã lá vamos nós para o apeadeiro apanhar o combóio,ainda seria uns 40 minutos a andar a pé,o que para nós miudos (eu e o meu sobrinho da minha idade)foi uma festa, assim como a viagem de combóio á janela.Chegámos cêdo,vagueámos pela cidade,comêmos calmamente no Parque,e como a minha irmã queria ir á Igreja de Sta.Clara,rumámos nesse sentido.Um calor infernal,e nós a pé, ponte fora porque ela enjoava no troley; nunca mais me esqueci da ladeira de Sta. Clara... Depois das orações na Igreja,caminhámos e achámo-nos no claustro
onde pequenos grupos de pessoas descançavam sentadas no chão.Nós fizemos igual,tinhamos de arranjar força para voltar à cidade. Daí a pouco surge um Padre, dirije-se a um dos grupos ,fala em surdina, e as pessoas erguem-se de imediato e caminham mas com energia,os outros grupos seguem-nas,e dum instante para o outro já era uma multidão que avançava cada vez mais rápida,o que fez rir a minha familia,pois não percebiam aquele levantamento.
Não demoraram muito a dar a volta ao claustro,e quando alguém tentava juntar-se à cabeça da fila,o Padre feito sinaleiro de braço estendido gritava, não,não,têm de ir dar a volta primeiro! Finalmente lá chegou a informação; nesse ano estava exposta a mão da Raínha Santa,e tinha começado a visita.Lá fomos também dar a volta "da ordem"no meio da multidão que já não tinha ordem nenhuma,nem silêncio sequer. Mas o pior era entrar nos acessos ao altar-mor onde está o túmulo com o corpo desta Santa.São muito estreitos,e escuros,e a multidão estava ali comprimida e sufocada com calor: então a minha mãe não aguentou,sentiu-se a desmaiar,e só queria sair dali depressa,e aflita gritava,deixem-me sair,deixem-me sair... eu morro aqui ! As pessoas mostráram compreensão,mas foi muito dificil chegar á "liberdade"... Voltámos ao claustro.(não vimos a mão da Raínha) Acalmados os nervos com descanço e um copo de água oferecido por mão piedosa,regressámos á cidade novamente a pé, com o propósito de ver passar a procissão.Ficámos nas imediações das Escadas de São Tiago,por ser mais rápido o acesso para o combóio,e esperámos... nos passeios dos dois lados da rua a multidão era um facto, mas tudo ordeiro e respeitoso; mas há sempre alguém diferente... aproveitando o aglomerado de pessoas,um rapazote passou rente e deu um beliscão á minha irmã;ela rápida prega-lhe um valente murro nas costas,acompanhado de censuras: logo as pessoas á volta tomam o partido dela e fazem côro de protestos,e lamentam não o terem agarrado... entretanto o tempo passava,e procissão nada de sair.Já se viam pessoas a consultar o relógio porque o combóio não esperava:connosco era igual teríamos de regressar de dia,havia ainda a estrada do apeadeiro depois do combóio,os tais 40 minutos a pé.Até que finalmente ouviu-se uma voz ,lá vem agora a procissão; esperámos e de facto eu vi e recordo; os bonitos cavalos e cavaleiros devidamente trajados que dão inicio á procissão... E foi tudo,porque de seguida "corremos" para o combóio.Esta é a história da minha ida á procissão da Raínha Santa.Para um adulto teria sido uma frustração: para mim foi uma fartada de riso...
Como é bom ser creança !
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