A Lua já não era visível.As estrelas confundiam-se com a claridade do alvorecer,amanhecia.O sol subia no horizonte e afagava os ornatos superiores do maior edifício de Montemor-o-Velho - os Paços do Concelho.O sol chamou-lhe Palácio e enquanto o acariciava com o seu calor e despertava para mais um dia,disse-lhe:
- Sabes Palácio,tenho pressa em iluminar-te,sabes porquê?
- Não,diz-me...
- Porque és bonito! És um Palácio soberbo!
- Gosto do galanteio - retorquiu - eu já tenho muitos anos,estou de pé desde 1892.Já vivi muito,tenho muitas recordações,boas,menos boas e,saudades.Mas os teus elogios não apagam as minhas mágoas...
- Mágoas? Tu?! - inquiriu o sol - queres desabafar?
O grande palácio,um tanto austero,tomou então da palavra com uma calma triste:
- Esta Praça,que se chama da Républica,está mais desolada que um largo duma pequena aldeia remota.E no entanto,tem um desenho tão belo,dela até se vê o Castelo,que é a coroa da Vila ! Mas tão árida,nem uma flor,nem uns jactos d’água que a enfeitem,nem população,apenas um largo,que tristeza...
- Ora,Palácio,são os efeitos da crise,que há-de terminar... Não! O que te digo é anterior à crise.Sou velho mas ainda consigo destrinçar. Aos domingos e dias feriados esta Praça é sinistra de tão vazia. Nem calculas a tristeza que me invade nesses dias.Nem um restaurante,nem um café aberto...Lembra um suicídio colectivo,um êxodo total! É então que na minha solidão recordo o passado,quando os bancos à minha porta eram poucos para os trabalhadores que aí se sentavam para descançar e conversar,nas tardes de domingo! Nos passeios que me contornam,acomodavam-se também as mulheres que vendiam tremoços e castanhas,e os engraxadores com a respectiva caixa para o seu trabalho. Formavam-se grupos,que falavam,havia vida... No café Girão,pequeno mas acolhedor,os homens preguiçavam na explanada sobre o passeio,enquanto o empregado,(o Manel do Café),impecável no seu casaco branco e no seu trato,os servia incansável.Será que ainda vive? Mesmo na minha frente,o Café Mondego,pequenino,o Café do Henrique,o inventor das Espigas Doces,essa delicia!
- Um inventor? Em Montemor?
- Há! Sim,ele devia ter lido o Fernando Pessoa - "quando Deus quer,o homem sonha,a obra nasce!" Sonhou e tornou realidade um doce para Montemor,como era então conhecido.Que saudades desses tempos.O meu coração de velho não esquece,nada me alegra...
- Queria animar-te,meu amigo.Mas as minhas histórias são iguais às tuas.Como sabes,eu,um amigo dos turistas,vi há tempos um carro cheio deles quedar-se à entrada da Vila para as fotografias da praxe ao magnífico Castelo.Depois dirijiram-se para o centro da Vila.Era Domingo e tudo estava fechado.Deram meia volta.Segui-os num dos meus raios até Tentúgal,onde se sentaram a uma mesa de café a saborear pastéis e queijadas.
- Não digas mais...
- Voltas amanhã?
- Claro,todos os dias!
- Mas promete-me uma história mais feliz....
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