domingo, 15 de junho de 2014

Um sôco, em vez dum obrigado

Sofrer um fanico, um desmaio (os antigos diziam encobriu-se-lhe o coração) estamos todos sujeitos e por várias causas. É frequente acontecer, mas na maior parte das vezes nem chega ao domínio publico, há sempre alguém a acudir, e depois já passou. Porém no passado dia dez de junho, a vítima foi o Presidente da Républica de Portugal, que no momento em que estava a usar da palavra, fanicou. Não é nada agradável, inesperadamente vermos uma pessoa vergar os joelhos e cair ao chão, há que ajudar e evitar a queda, e assim aconteceu felizmente, e o facto em parte desagradável, já ficou para trás e sem consequências.
Vi parte deste episódio pela televisão, e mesmo sem procurar, acabei por  recordar algo que tem a ver com situações idênticas, vividas há alguns anos atrás.
Como já tenho "dito" sou de Montemor-o-Velho, e só deixei a minha terra quando casei. Ali vivi a meninice, a adolescência e a juventude. Aos Domingos, eu e a minha mãe iamos à Missa das onze horas. Aliás ia toda a gente, desde que o seu estado de saúde o permitisse.
Nunca sube a razão, mas não era raro acontecerem desmaios durante as celebrações, tanto em pessoas adultas como também nas jovens. Eu também sofri desse percalço mas nunca caí, porque assim que sentia algo esquisito, saía apressadamente da Igreja. No Adro havia sempre vento, e eu ficava logo bem, mas já não voltava a entrar.
Mas havia quem tombásse mesmo no chão, e quem estava perto ia logo levantar e acompanhar a pessoa.
A Igreja de São Martinho só tinha umas filas de bancos  logo à entrada, destinados exclusivamente aos homens, e de modo igual perto da capela-mor para as meninas mais novas. No resto havia cadeiras, propriedade das próprias utentes mas só para o sexo feminino (nós também tínhamos duas cadeiras, e até duas almofaditas para nos ajoelharmos) porque os homens ficavam sempre separados das senhoras.
Um casal já bem maduro que estava em férias em casa de familiares, foi à Missa naquele Domingo, aliás eles já tinham ido no Domingo anterior. Ele tinha o cabelo farto, ondulado e todo branquinho, contrastava com o fato azul escuro, aparentemente era mesmo um senhor. Impossível não se reparar nele, até porque ele foi com a esposa lá pra cima para o meio das senhoras, e assim era o único homem ali.
Aconteceu que durante a celebração da Missa, a esposa desmaiou, e malhou no chão. Houve assim um pequeno reboliço, e a minha mãe que era nova e saudável, e prestável, aproximou-se rápidamente e pegou nela, enquanto outras senhoras ajudavam também. Mas nisto aconteceu o insólito; ao mesmo tempo o homem disse - não faça barulho, não faça barulho, e no mesmo instante préga um sôco no lado esquerdo da testa da minha mãe. Naquela altura só o Padre falava na Igreja, os fiéis nunca falávam. Mas a minha mãe ignorou o lugar onde estava, olhou pra ele e disse-lhe em voz audível - o Sr. é muito estupido! Grande estupido! Voltou-lhe as costas e como entretanto tinha acabado a Missa viémos embora. O assunto "correu mundo"... comentários e censuras não faltaram sobre o Dr. Mexía, que devia estar parvo... Mas a minha mãe é que ficou com o sôco, que até nem foi leve, pois no dia seguinte estava marcado de negro. Depois disso ela perguntava a si própria, e dizia, se alguma vez voltaria a socorrer mais alguém...     

6 comentários:

Mona Lisa disse...

Incrível!

Ninguém perguntou ao "senhor" a razão do soco???

Também eu, em miúda, me sentia mal na missa. Começava a ficar branca e a minha mãe vinha para fora comigo.
Penso que seria do cheiro intenso das velas e de estarmos em jejum , por causa da comunhão.

Beijinhos.

Nouredini.'. Heide Oliveira disse...

Louco ou bruto este infame senhor, que marcou a sua juventude com tão dolorida lembrança.
Certamente não gozou o Reino do pai.

dilita disse...

Olá querida Lisa

Afinal todas passámos por esse mal estar, quando em oração na Igreja.

Não sei se as sras. que rodearam a "doente" se manifestaram ali, aquilo foi tão descabido...

No dia seguinte, devia algum dos parentes ir a minha casa apresentar desculpa, e explicar, mas não; a casa deles não era perto da nossa, e eles eram todos velhos, deitaram para trás das costas e pronto.
Só a opinião pública se manifestou; na nossa terra o jornal era de viva voz.
Beijinho.

dilita disse...

Amiga Nouredini

Sim, acima de tudo o tal Sr. Dr. foi mesmo um bruto.
(Situação tão despropositada que até parece mentira.)

Que foi afinal ele fazer à Missa?

Ele teve sorte, porque a minha mãe podia ter-lhe retribuido de modo igual; mas ficou tão surpreendida que só reagiu com poucas palavras,
embora contundentes.Foi melhor assim.
Beijinho, bom Domingo.

Manuel disse...

Nós não sabemos mas, parece que, anda por ali um Alzeimer disfarçado.

dilita disse...

Olá Manuel

Naquela época nós nem conhecíamos a palavra Alzeimer; mas acredito que ao que ela se refere, já existisse e fizesse danos. Doenças do foro neurológico sempre brindaram a humanidade.

Podia realmente haver por ali uma patologia qualquer,mas com laivos de prepotência.

Foi há tantos anos,mas não esqueci.
Abraço.