- Estás velho amigo banco, tu e os outros cinco que te fazem companhia...
-Não, não estou; - eu sou mesmo velho, e os meus azulejos de que me orgulho tanto, ainda são mais idosos do que eu. Mas eu ainda estou forte, eles coitados é que estão fragilizados, também graças a ti e aos outros elementos, ditos naturais.
- A mim ? Eu, o sol, que tudo faço germinar ?!
- Fazes germinar quando não queimas com o teu calor impiedoso! Vocês são os culpados!
- Vocês? Então, além de mim, quem mais?
-O vento, a chuva, a geada o granizo - em anos e anos de agressões, provocam danos bem visíveis.
És capaz de ter razão, eu sou distraído, e ando até um tanto esquecido...
-Pois eu tenho boa memória, e agora vivo de recordações, e são muitas - algumas alegres, e outras de muita mágoa.
- A sério ? Eu tenho tempo posso ouvir-te, queres desabafar?
- Quero sim, então ouve:
-Tenho saudades do tempo em que este edifício onde me encosto, era o Hospital de Nossa Senhora de Campos. Aqui vinham os doentes tratar da saúde, era um espaço prá vida, embora para alguns, ela aqui tivesse o seu fim. Ainda cá nasceram bébés... paravam aqui casais cheios de alegria, com o seu pequenino, e colocavam a alcofa em mim, enquanto esperavam o táxi que os levava para casa ; como eu gostava desses momentos...
-Agora é um Lar da Terceira Idade - nome pompôso - para um Internato de pessoas velhas. E não faltam as vozes piedosas, ainda novas, pois claro, com a afirmação de que não há velhos, porque velhos são os trapos! As pessoas não!
- Lérias! Velho é velho, e não há retorno para voltar a ser novo...
E este jardim?! Estava sempre cheio de flores... Até tinha um lago com peixinhos vermelhos, que eram o encanto da pequenada.
Esta zona era o local de passeio Domingueiro, e até de semana também, para os poucos que podiam vir até aqui espairecer... As árvores fronteiras davam frescura e aroma. Agora, já lá não estão...
- Esta é a minha maior mágoa - não terem dó de cortar aquelas "vidas"... aquilo não eram árvores, aquilo eram monumentos! Enormes, saudáveis, e antigas... Não havia ninguém em duas gerações, que não tivesse comido as bagas doces que elas produziam. Hoje são só saudade.
-O sol que ouvia em silêncio, murmurou - mas porque fizeram isso? Foi um sacrificio em nome do progresso? Se assim foi...
-Mas qual progresso, malvadez humana lhe chamo eu, e no meu entender de pedra dura, foi um crime! - Mataram-nas! - eu não lhes perdôo, mataram as minhas vizinhas queridas!
-O sol começou a esmorecer... Entendo o teu desânimo, mas não sei que te diga. Conta-me algo mais alegre, se é que consegues lembrar-te.
-Lembro sim: foi há muito tempo, anos sessenta. Na época em que os casamentos eram para toda a vida, e começavam pelo namoro, que não era nada como é hoje.
-Assim num dia de primavera, um par de namorados em passeio veio sentar-se aqui. Percebi que namoravam à pouco tempo, estavam na fase do encantamento. Ele aproveitando o facto de não passar ninguém, nem nenhum automóvel naquele momento, sorridente pegou-lhe na mão, e numa pressa disse:- somos namorados, vou dar-te um beijo, e deu. Ela nem tempo teve para dizer algo, corou até ás orelhas com aquele beijo rápido, que era afinal o primeiro do género, em sua vida. A seguir, ainda sorridente, ele senhor de si, falou:- então, eu dei, tu não deste, estou à espera...ela confusa acedeu e deu-lhe um beijo, muito apressado e completamente desajeitado, e corou ainda mais...
-Precisas de praticar, foi um beijo sem perfeição - mas não faz mal - disse-lhe ele ao ouvido, enquanto com as suas mãos segurava a mão dela com firmeza, e sorria.
Olharam o relógio, e daí a pouco, deixaram-me.
O sol animou-se e disse - gostei da recordação desta ternura. E eles voltaram mais vezes?
-Só de tempos a tempos, mas beijinho não vi mais. Na rua, não era conveniente. Ele queria casar com ela, (e casou) e certamente não gostaria de dar azo a más interpretações. O povo daquela época era cruel, costumava dizer "mulher beijada, é mulher desgraçada"- preconceitos, a tocar o Medieval...
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-Mas sabes que eles me adotaram desde logo ? Passaram a chamar-me "o nosso banco" e agora depois de tantos anos, ainda gostam de olhar para mim. Vê lá caro sol, que até me fotografaram...
-És um sortudo, e ainda te lamentas! Fico contente por ti, acredita, exclamou o sol.
Mas agora tenho de partir, e digo-te adeus, mas voltarei para me contares outra das tuas recordações.
Até breve...
9 comentários:
Sua capacidade de ser terna me trás lágrimas as olhos! Em bom tempo resolveu escrever as tuas crônicas. Sou feliz pela oportunidade de passar aqui.
bjs querida amiga, vamos junta-las e costura-las em barbante, qual presente nos velhos tempos.
bjs de areia brilhante!
Belo, muito lindo este texto, me comoveu.
Foi um desfilar de recordações e de verdades.
Os lares, nome pomposo, não passam de depósitos onde despejam os velhos e os deixam à espera.
A Dilita tem uma sensibilidade que nos faz gostar de ler o que escreve.
Sou seguidor.
Ainda bem que vim cá, gostei muito do texto que escreveu! É sempre bom vir lê-la, dá-me em todas as vezes vontade de retornar.
http://estasaudosacasa.blogspot.pt/
Que alegria receber sua visita minha estimada amiga.
Obrigada pelo comentário.
Adorei passear contigo através das belas fotos de seus últimos posts e oque dizer deste seu texto? Emocionante...
Linda semana para todos aí.
Beijo.
Querida Dilita
Mas que texto encantador!
Que lindo!
Gostei, e apreciei muito, boa amiga.
Diga-me: Já escreveu algum livro?
Não? Então faça o favor de ir pensando nisso.
Fico á espera.
Um grande e fraterno abraço
Viviana
Um bom verão gostoso e farto como as frutas da estação
Que lindo!
Lembranças de tempos suaves! Doçura e romantismo!
Tenha uma semana muito feliz!
Beijo carinhoso!
Minha querida e adorável parente e amiga Dilita, cá estou a me regalar com tuas peripécias escritas, que doces palavras, que doces lembranças, que doces histórias, uma fábula, uma metáfora, que delícia, me encanta. Quando vi o banco, os azulejos, antes de começar a ler, vi Rio Pardo, aquela cidade que estou e não quero mais rs, tem uma forte descendência açoriana, e não é raro ver algum azulejo exposto, não tão lindo assim num banco, mas numa parede perto de uma porta, ou adornando janelas, enfim. O embate do Sol e do Banco, que lindo, quando verdade, quanta vida, quanta história passada ali, e ainda passando. Ricas palavras minha querida amiga, andei longe com tuas palavras, e feliz com o final feliz deste escrito que ganhou meu coração. Saudade sempre querida amiga Dilita.
ps. Carinho respeito e abraço.
ps2. E no meio desta fábula maravilhosa encontras palavras para saudar estes seres que tenho verdadeira adoração, que são as àrvores.
Bonita crónica sobre o passado e o presente, os tempos e as coisas, os sentires, os deslumbramentos, os primeiros momentos de tudo o que começa e promete, e nem sempre cumpre conforme parecia ser sua intenção.
Suavidade, dureza, candura, e , tomando o recurso estilístico da personificação feito de estrutura, uma página na vida de alguém.
Bonito!
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