Eu julgava que já tinha contado as minhas histórias todas, mas hoje sem procurar, a imaginação trouxe-me esta. Foi há tanto tempo, anos sessenta...
Eu tenho a impressão que naquela altura, as pessoas, sobretudo jovens, eram mais vaidosas. Ligava-se muito ao vestuário, não havia roupas de marca, era tudo confecionado por medida, ao geito do corpo. Havia modistas, alfaiates, e costureiras que trabalhavam diáriamente na arte da costura. E algumas casas em Lisboa já recebiam roupas prontas, feitas não sei onde, mas que marcavam a moda e eram caras.
O meu marido que nessa altura residia na Capital, e era apenas meu conversado (era assim que se chamava) fez compras numa dessas lojas de moda, e quando chegou o mês de setembro época das festas da Vila, veio a Montemor-oVelho onde eu residia. Apareceu-me todo elegante, vestido com calça preta e casaco de linho branco, e engravatado, claro, naquela altura era assim.
No principio do ano seguinte casámos, ficámos a residir na zona de Lisboa, e quando acabou a lua de mel, eu com vagares, tratei de pôr as roupas em ordem. Lá encontrei o casaco branco devidamente acondicionado numa mala, e o meu marido até me recomendou cuidados com ele, que vestiria depois na primavera. Coloquei-o no guarda fatos e não pensei mais.
Quando o mês de Maio chegou, aconteceu termos de vir a Coimbra tratar dum assunto. Seria no dia 28 de Maio que há época era feriado nacional. O tempo tinha aquecido, apetecia roupa um pouco mais leve, e então o meu marido uns dias antes disse-me que nesse dia iria vestir aquele casaco branco. Perfecionista como sempre, entendi que o dito cujo não estava devidamente limpo, e em vez de o levar á lavandaria para limpar a seco como fazia com os fatos escuros, tratei de o meter no tanque e comecei a lavá-lo com sabão. Fiquei estarrecida... o que eu tinha nas mãos já não era um casaco, era um monte de tecido retorcido, todo encolhido, dum lado maior do que do outro, todo assimétrico, uma lástima. E eu amargurada com a minha obra...
Há noite quando o meu marido chegou, lá arranjei forças para lhe dizer que tinha estragado o casaco. Ele a principio até pensou que eu estava a brincar, mas quando a realidade foi mais forte, ficou decepcionado; "o casaco que era novo e tinha sido caro..." e repetia uma e outra vez. Fez-me censuras, pois claro... e naquela altura do campeonato, ainda casados de fresco, aquilo foi para mim o fim do mundo... Recordo que nem jantei, comi uma canja, e fui prá cama chorar.
No dia previsto viajámos para Coimbra no combóio, e eu sempre a pensar no casaco... Depois de tratarmos do assunto que ali nos levou, fomos visitar os Padrinhos. A certa altura a Madrinha fez questão de me levar só a mim ao andar superior da residência para falarmos, e fomos ao terraço; uma vista lindíssima sobre o Mondego, fiquei maravilhada. Mas eu estava aflita, e contei-lhe do casaco: ela como desconhecia a dimensão do estrago que era total, animou-me, e disse que eu com o meu jeito iria descoser e remediar...
De facto remediei. Mas como? Fiz eu um casaco novo.
No rés do chão do nosso prédio havia uma lojinha de tecidos. Fui lá buscar umas amostras de algo parecido e que agradásse ao"prejudicado".Tecido aprovado, comprei, assim como entretela e forro.
Eu não sabia corte de alfaiate, mas sabia como fazer para o arranjar.
Um alfaiate muito conceituado com estabelecimento na rua Augusta, tinha feito uns fatos para o meu marido, e também a indumentária para o casamento. Sacrifiquei um lençol usado, e colocando uns pedaços dele sobre um dos casacos, com muito cuidado, cortando aos poucos, construí todos os moldes necessários e completamente à medida. Depois, confecionar não era problema, fiz uma obra perfeita. Do casaco retorcido aproveitei apenas os botões.
Uns dias depois, quando o meu marido chegou e entrou no quarto, encontrou "em pose" em cima da cama, o casaco novo. Gostou.
No dia seguinte já o levou para o trabalho. Naquele salão só as empregadas usavam bata. Os homens trabalhavam de fato inteiro e gravata, fosse verão ou inverno. Todos repararam no casaco e à pergunta normal "onde compráste" veio a resposta, secalhar com alguma doze de vaidade, foi a minha mulher que fez! Mesmo à distância eu senti os louros... mas não merecia todos, porque o corte pertencia ao grande Alfaiate. Só que isso, eu não disse a ninguém.
26 comentários:
Linda sua história....entrei dentro do seu conto e imaginei tudo, lembrou meu pai com seus ternos brancos de linho e minha mãe sofria para deixa-los perfeitos, e o ferro era de brasa....como os tempos mudaram , não?
abraços!
Ah, que linda a sua história, amiga Dilita, até me emocionou!
Quem disse que as pessoas não são capazes de resolver problemas por mais complexo que seja!
Você foi um gênio, tivestes sabedoria para fazer o casaco bem lindo e ainda por cima fostes elogiada, seu marido se orgulhou de você!
Amei ler, me lembrei de minha mãe que costurava, fazia lindos vestidos, calças masculinas e tudo o mais!
Abraços amiga linda!
Belo relato e mais belo ainda por ser pontuado de verdades sobre as alegrias e dissabores dos momentos feitos a dois, pois são alegrias e tristezas que são feitos os caminhos de um casamento.
O mais belo é que o amor verdadeiro a tudo suplanta. A alegria e orgulho que ele sentiu pela sua obra de arte em costura, fez dele orgulhoso em te-la esposa.
Tenho certeza de que na memória dele, hoje, só há o belo casaco e os elógios recebidos no salão.
Para você restou o sabor da vitoria de superar-se transformando a perda em aprenidzado.
A vida é assim e de algumas situações, só aproveitamos os botões. Do resto, melhor fazer de novo.
Aguarde o meu próximo post...rsrs
postei para vc e seu Olímpio. passe lá para um cafezinho e leve suas amigas
cafeebolinho.blogspot.com
beijos e votos de saude,
Dilita, fiquei contente com seu comentário lá no blog. Obrigada.
Como vc penso que a morte é o fim. Fim total.
Acho que podemos ser amigas de blog.
Lembro do tempo que os tecidos encolhiam.
Sou do blog FOLHAS DE OUTONO .
Bom dia minha menina linda !
Muito amada vc vai continuar sendo,mesmo eu afastada deste universo virtual,sempre que der passarei por aqui para ler e reler teus escritos do qual sou uma admiradora,para meu crescimento literário...
P.s.Aproveito para deixar uma nota.A identidade da minha conexão,tem uma CRIPTOGRAFIA DE 128 BITS.No entanto ,esta página da qual estou a comentar,incluí outros recursos que não são seguros.Esses recursos podem ser visualizados por outros enquanto navegam e podem ser modificados por um invasor para alterar à aparência da página.
A conexão usa a TLS 1.2
A conexão foi criptografada e autenticada utilizando;
AES_128_GCM e usa ECDHE_RSA como o mecanismo de troca de chave.
Por isso deixo dito que a identidade deste site do qual uso foi confirmada por ;
VERISIGN CLASS 3 SECURE SERVER CA-G3.
Desculpem o transtorno em ter que deixar essa nota em cada comentário que faço nos blogs dos amigos.Motivo por comentar em anônimo,mais sou do BLOG FOLHAS DE OUTONO.
Só poderei voltar a navegar quando o problema for solucionado.Que deve levar um tempo.Problema esse que está em outras redes do qual deixo como exemplo:blogs-facebook-e-mails e outros mais...
Comentei no blog CAFE COM BOLINHO...
A Vida é Bela!
Beijo fraterno,
Zito
Oi, Dilita, minha mãe sempre me conta suas histórias. Parabéns pelo blog e obrigada pela visita e pelas palavras carinhosas. Bjo
Oi, Dilita, minha mãe sempre me conta suas histórias. Parabéns pelo blog e obrigada pela visita e pelas palavras carinhosas. Bjo
kkkk…Dilita, querida!
Adorei a história do casaco branco.
Confesso que dei boas risadas, da maneira tão gostosa como você narra o acontecido terrível!!
kkkk….é …antigamente os tecidos encolhiam sim. Lembro que uma vez comprei um lindo vestido verde que na primeira lavada, ficou também uma tira de nada, de tanto que encolheu….kkkkkk
Fiquei admirada da dedicação e amor com que fez o novo casaco para seu esposo!!
Você é muito dedicada!
Eu aqui estou me recuperando de uma gripe que me levou para o pronto socorro.
Tomei injeções e agora me sinto bem!
Dilita, minha mãe te manda mil lembranças!!
Anda feliz, sábado vamos para as montanhas, vamos pasar o día em uma cidade de nome Campos do Jordão. Vamos passear um bocadinho!!
beijinhos e tenha uma ótima semana.
Lígia e =ˆ.ˆ=
Bom ler sua história, Dilita.
E desse modo vamos costurando nosso “eu” através dos tempos, formando o que somos hoje, deixando saudades dos detalhes que nos ajudaram treinar a personalidade. Momentos que lembramos gostosamente e que ficam para trás, pois a vida nos empurra para frente sem parar de tecê-la.
Lembrei-me do início da década de 60, quando já contava a idade de dez anos e ainda usava calça curta. Mas, o desejo de ser gente grande (adulto), trazia a vontade de usar calças compridas, e depois seguir as modas daquela década que por aqui era influenciada pela Jovem Guarda.
Grande abraço!
Amiga respondendo a pergunta que me deixou no cafeebolinho.blogspot.com
- Restou sim. Restaram 2 filhas maravilhosas, das quais já lhe falei; o pai delas é um pai excelente e um amigo a quase 40 anos. De todos maridos só de um só restou apenas o aprendizado; Dos demais somos muito amigos e ainda este ano, quase voltei com o Paulinho - Aquele que chamo de um ex cheio de prerrogativas.
Casei, casei, separei, fiquei viúva, casei e até sou amiga das ex e atuais esposas do meus ex-maridos.
Fui feliz e tive muita sorte nos relacionamentos enquanto duraram. Só não consegui envelhecer com nenhum deles e talvez, seja disto que sinto falta.
Beijos minha querida, votos de uma saúde de plena e harmonia junto aos seus.
P.S. hoje no almoço usei Azeite Figueira da Foz em sua homenagem. Vc usa as folhas da oliveira? Aqui tornou-se moda e até nos sais de banho que estou fazendo as misturei com as ervas.Eita Portugal cheio de coisas e pessoas gostosas ..bacalhau, castanha, azeite, dDilita, Olímpio Zito, Tuta...
Paradinha para o Abraço aquecido.
gostei do conto e da realidade do mesmo, e do comentário de Nouredini (pois, às vezes só se aproveita os botões!!!).
Quanta dedicação, nascida da aflição, e quanta arte nascida com a autora - é desse tecido que são feitas as relações entre as pessoas, mas nem sempre somos capazes de aproveitar o estrago e refazer as obras...não é para todos!
Ariana
Querida Lena
Fico contente ao saber que gostou da minha história, e também que com ela recordou os seus pais. Dantes as roupas eram muito cuidadas (eu ainda gosto disso)mas actualmente está tudo aligeirado.
Eu ainda guardo o ferro antigo a carvão.
Pesadão... mas passava bem.
Beijinho.
Ivone amiguinha
Obrigada por seu comentário, e por me equiparar com sua mãe.
A costura é uma arte bonita,mas com o casamento deixei de costurar para fora. Porém para a familia de casa
continuei no activo durante anos.
Beijinho, e volte sempre.
Nouredini amiga
Respondi, no seu café e bolinho, onde encontrei um post maravilhoso sobre a minha pessoa, que me deixou tão contente, e até emocionada com a sua dedicação e disponibilidade para me presentear...
Beijinho abraço, e o meu obrigada.
Olá Liliane.
Claro que vamos ser amigas, vamo-nos visitando sempre que haja possibilidade. Poderá não ser com assiduidade, mas com alguma regularidade irá acontecer.
Entretanto, um abraço, e um bom dia.
Para Folhas de Outono;
Linda Severa Cabral, obrigada por ter vindo, e explicado "tudo".
Cá a espero.
Abraço.
Para Folhas de Outono;
Linda Severa Cabral, obrigada por ter vindo, e explicado "tudo".
Cá a espero.
Abraço.
Olá Zito
Obrigada!
Li o seu comentário no Café e Bolinho.
Abraço.
Olá Ligia
Já tinha saudades de a ver por aqui.
Beijinho à D. Aparecida, outro para si.
Olá Evaldo
Gosto sempre de ler os comentários que me deixa. Os anos passados sempre guardam recordações. As menos boas a gente põe de lado; ignora-as. As outras revemo-las, e temos saudades.
Abraço.
Ariana
Benvinda pela vez primeira.
Espero "vê-la" mais vezes por aqui.
Não tem blog?
Beijinho, e obrigada pelo seu comentário.
Enviar um comentário