domingo, 26 de janeiro de 2014

Igreja alagada

Cá venho eu com as minhas histórias, minhas mesmo...
Esta faz parte das recordações do nosso casamento, tem igualmente quarenta e oito anos.
A cerimónia foi marcada para janeiro, mas com antecedência começaram os preparativos. Um deles, era  ir falar com o Padre. Como o noivo residia em Lisboa, e não se deslocava amiúde à nossa terra (Montemor-o-Velho) fui eu a casa do Sr. Reitor participar-lhe o casamento, convidá-lo para a Bôda e marcar o serviço religioso. Faltava ainda algum tempo, por isso ele até comentou a sorrir, que "era a longo prazo..."
Algumas noivas não iam casar na Igreja Matriz. Pagavam uma licença, para ser numa das outras Igrejas que lá existem. Eu também tinha os meus gostos, e queria que fosse na Capela do Hospital. Era cuidada pelas Freirinhas, estava sempre impecável, e no exterior o pavimento era liso,  numa rua larga ladeada de jardins, desde a entrada franqueada por um grande portão, bonito, de ferro forjado. Eu já me via ali a desfilar...  Mas o Sr. Reitor é que não estava para aí virado. Disse-me logo que não, que já não havia essa clausula de ter de pagar, mas que na Capela do Hospital não podia ser. Já tinha sido, mas agora não podia. Eu bem lhe roguei com bons modos, e então ele acrescentou; - olhe a Rosa Maria fez igual pedido, e de igual modo recusei. Têm a Igreja dos Anjos, é tão bonita toda em pedra, e ainda é mais perto das vossas casas.
Contra a força não há resistência, mas eu ainda argumentei - e se a água inunda a Igreja? Naquela época as cheias inundavam a Vila com frequência no inverno, e a água permanecia naquela Igreja durante muitos dias, mesmo depois de ter secado nas ruas. Porém, ele desvalorisou o meu receio, com a esperança (infundada) de que não iria suceder.
O tempo passou, a Rosa Maria mandou lavar a Igreja depois da água ir embora, e casou lá em 26 de Dezembro. Quando chegou a minha vez, quinze dias depois, a Igreja tinha cinquenta centímetros de altura de água, desde a porta da entrada até ao degrau que antecede o Altar Mór... Não apoquentei o Padre, mas ele merecia...
Casei na modesta Capelinha do Côro, dessa mesma Igreja, onde se acedia por dois enormes lanços de escadas de pedra branca, (tipico dos Conventos)
Por um qualquer motivo de seu interesse, informou-me de que não seria ele a celebrar o casamento, mas que à hora marcada lá estaria um Sacerdote.Foi enorme a minha satisfação, ao ver quem apareceu devidamente paramentado, para realisar a cerimónia, era o Sr. Padre Alfredo que paroquiava numa localidade próxima. Não sendo íntimo, era meu conhecido, (e pormenores importantes para mim) era bonito, e boa figura, ia ficar bem nas fotografias...
(só vaidades, quando se é noiva...)

Mas era verdade, as pessoas diziam baixinho - mal empregado em ser padre... E tanto  o pensaram e disseram, que lhe deve ter chegado ao subconsciente. Passado algum tempo, renunciou, deixou o Sacerdócio, e adotou o estatuto de Marido. Hoje, é o Sr. Dr. Alfredo Amado.

7 comentários:

António Querido disse...

Olá amiga!
Gostei da sua história, nesse tempo ainda os padres tinham muito poder nas comunidades, de qualquer modo os montemorenses tinham uma alternativa em tempo de cheias: A igreja do castelo onde as cheias nunca chegaram!
Quanto ao Sr.Dr.Alfredo Amado, teve a coragem de renunciar ao Sacerdócio por tanto ser (Amado), é de louvar.
Com o meu abraço

Nouredini.'. Heide Oliveira disse...

O padre perdeu a honra de participar de tão bela história de amor!
Talvez, eu não tivesse a sua paciência e compustura.
Quando ao padre que casou, conheço bem este tipo, já enviuvei de um que comigo já contava a segunda.
Beijos querida.

Unknown disse...

Descule, amiga, mas achei delicioso o pormenor do "padre bonito, que ía saír bem nas fotografias"...E, já agora, a nossa amiga da Baia não não se cansa de nos espantar: um padre em segunda-mão, crédo!
Abraço amigo,
Zito

dilita disse...

Com efeito Sr. Querido, só o dilúvio poderia chegar ao castelo...

Mas eu não queria ir tão longe. De vestido e véu a arrastar pelo chão, grandes distâncias não me atraíam.

O Sr. Padre Alfredo,já era Amado, e mais amado foi depois.
Abraço.

dilita disse...

Zito amigo´

"Eu queria tudo bonito,vir o Padre Alfredo, foi uma alegria; vaidades de noiva, está tudo dito..."

Sim, a nossa amiga está sempre a surpreender-nos; mas esta do padre requentado, é que eu não esperava... E ao que parece em mau estado de conservação, porque já foi desta pra melhor...

Abraço.

Manuel disse...

Belas recordações de momentos que ficam e perfuram nas nossas memórias.
Espero que não tenha alagado a Igreja para castigar o Padre!

dilita disse...

Olá amigo Manuel
Não sei se a água alagou a Igreja para castigar o Padre na sua teimosia.
Mas os atingidos fomos nós,minha mãe em especial que com as amigas teve de pôr a Capela em ordem de aceio e arranjo,o que não foi nada agradável. "Padre casmurro!"

Grata pela visita,volte sempre.
Abraço.