Então recordei-me do Carnaval desses tempos (anos cinquenta) em Montemor -o- Velho. Foi sempre uma festa com alguns divertimentos patéticos, sem graça, mas habituais, eram digamos um exclusivo do Carnaval. Uma dessas práticas mais usadas pelos rapazes, consistia em empoar as raparigas; colocar uma boa quantidade de farinha fina na cabeça, e impregná-la bem por todo o cabelo. A farinha também caía para as roupas, ficavam mais enfarinhadas do que se fossem moleiras.Elas fechavam-se em casa, mas eles entravam se a porta desse para abrir, ou alguma janela o permitisse. E se tinham de vir à rua fazer qualquer compra, já sabiam que havia sempre um rapaz à espera, com uma saqueta de farinha na mão. Elas ralhavam, faziam barulho, mas não havia escusa, eram empoadas; ficavam más e eles contentes, sentindo-se vitoriosos. Aquilo era desagradável, até porque lavar uma cabeça empoada era moroso, a farinha empapava com a água no couro cabeludo, as cabeleiras eram longas de cabelos apanhados em tótó, ou em tranças, e ainda o facto da maioria das casas não ter chuveiro, havia razão de sobra para fugir daquela tradição. Também eu fui empoada, uma vez apenas; mais sortuda porque tinha cabelo curto.
Eu era muito nova, sei lá talvez tivesse uns catorze anos, mas já ia ao baile acompanhada pela minha mãe, já usava sapatos de salto não muito alto, e já dançava. Havia um rapaz lá da terra que dançou algumas vezes comigo, durante as festas da Feira Anual em Setembro. Até me ofereceu uma imagem pequenina de Sto. António, em gêsso branco. Guardei-a com estima, é muito perfeitinha, e o curioso é que ainda hoje a conservo.
Quando meses depois chegou o Domingo Gordo, fui ao baile, fantasiada de dama antiga, e lá foi o moço dançar comigo. A seguir, na terça feira, Dia de Entrudo, saí de casa de manhã para ir comprar lã para uma camisola. Nunca pensei que iria ser empoada, pelo facto de ser ainda muito nova, e muito menos ainda, sê-lo pelo rapaz que dançava comigo. Mas, puro engano, quando já estava perto da loja vejo-o aproximar-se a toda a pressa e tratou de me empoar. Ainda lhe dei uns socos no braço, e numa fúria eu sei lá o que lhe disse... já não entrei na loja, voltei para trás e fui á pressa contar ao meu pai e pedir-lhe que o castigásse. Em vêz disso, o meu pai até achou graça, ele também nos seus tempos brincou a valer no Carnaval, e não viu neste caso, nada digno de reprovação. Eu argumentava indignada, e até já chorava... e ele secalhar já sem paciência, disse para mim ; - óh mulher, válha-te Deus, isso até é uma honra, e estás a chorar? - Mas o que é que tu queres afinal ? - Queres que eu chame a Guarda Républicana para agarrar o rapaz, e levá-lo para a cadeia?! E continuava a rir-se. Talvez para pôr fim aquela lamúria, acrescentou; - vai mas é tomar banho e lavar o cabelo, e olha, ainda um dia hás-de ter saudades disto...
Não acreditei que um dia teria saudades... continuei zangada, e fui ao baile à noite acalentando o propósito de vingança. Quando o baile começou, o mesmo rapaz agora todo sorridente, parou na minha frente e convidou-me para dançar. Eu olhei para ele e nada disse. Fiz de conta que não estava ali ninguém, continuei sentada e calada, e ele ali parado a olhar pra mim à espera... de nada. Quando percebeu, saiu da minha frente, e afastou-se. Passaram os anos, mas nunca mais nos falámos, nem uma só palavra.
Nunca me arrependi, mas isto só prova que as crianças são ás vezes muito cruéis. E nós, eu principalmente, embora crescidita, era mesmo uma criança ainda, mas uma criança má.
5 comentários:
Dona DILITA os meus cumprimentos, e obrigado pela sua mensagem.
É sempre gratificante termos amigos que nos dm um olá de parabens, mas só gente de bom sentimento e de valor, são os que dºao o valor aos outros, que me orgulho em os ter conhecido, ao amigo Olimpio e a Dilita, que são gente que valoriza a sociedade em que vivemos.
Um abraço para si e ao amigo Oliimpio.
Com a maior atenção
Joaqum Pinto
Dilita, amiga, a sua memória,
neste aspecto, será irmã-gémea da minha, pois transportou-me até 65 anos atrás quando, no Carnaval, a miudagem ía para a Praça-Nova, no Mindelo, para as batalhas da farinha...Eram dezenas de caras e cabeças enfarinhados e tanta farinha pelo chão que parecia que tinha nevado...Tempos da inocência despreocupada e simples!
Bos saúde,
Zito
kkkk....Dilita querida, recordar é viver!!
Adorei a sua história de infância!!
Muito legal sua narrativa.
kkkk...
Acho que ele se arrepende do feito até hoje...perdeu a companheira de dança!
Tenha um ótimo dia,
beijinhos,
Lígia e=^.^= e mamys e Leila ( que está aqui rindo e imaginando você toda branca de farinha) hehehe...
Oa Zito
Não sabia que no Mindelo também a farinha fazia parte integrante no carnaval naquele tempo já distante. Por cá eram os rapazes, os miudos não.
Há já bastante tempo que caiu em desuso essa tradição carnavalesca.
Bem haja pela visita.
Olá Ligia
É bom recordar, e é bom ter algo para recordar.
Acho que o meu par das danças se deve ter esquecido,eu é que sou "de boa memória", influência do nosso Rei D. João lº...
Obrigada por ter passado por aqui.
Beijinhos para a Leila, para D. Aparecida, e claro para a Ligia
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