As duas ambulâncias estacionaram em frente à entrada para as urgências do hospital. Tratava-se de casos graves, e os maqueiros apressaram-se a entrar pedindo passagem livre, e sem parar desapareceram através da porta de vai e vem.
Um casal idoso que aguardava sentado, comentou em jeito de lamento - dois feridos graves, que terá sido? decerto um acidente de carro, está sempre a acontecer...
Sem coragem para mais, as esposas dos feridos ficaram junto duma das ambulâncias, com o coração a baloiçar entre o mêdo e a esperança.
Passou algum tempo, e entretanto os maqueiros reapareceram com as macas vazias, e encaminharam-se para as viaturas.
Não foi necessário eles falarem; a Luísa e a Rosa abraçaram-se e confundiram entre ambas, os gritos e as lágrimas durante alguns minutos. Quando se acalmaram, ouviram que os maridos estavam em perigo de vida, e que ficavam internados.
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Era um dia de primavera; tempo ameno, propício ao inicio das sementeiras. O Zé acordou cedinho como havia planeado, vestiu a roupa de trabalho,tratou do gado, foi almoçar, e de seguida pôs as vacas ao carro, (carro de madeira) neste colocou o arado, e outras alfaias agrícolas que lhe pareceram necessárias, e rumou ao campo onde tinha uma boa tira de terreno que havia herdado dos pais, e que ele cultivava com enorme gosto e esmero.
Antes olhou para a porta e chamou - Luísa! Luísa! Ela apareceu: - então não desces esses degraus para vires aqui dizer-me até logo? Que é como quem diz, para me vires dar uma beijoca... Ela sorriu e desceu lésta. - Claro que não te deixava ir embora sem um agrado! Tu é que estás sempre cheio de pressa...
-Sou assim, tu já sabes. -Sei, claro que sei; logo vou lá ter contigo ao campo com o almoço, e olha que até levo broa mole, deve ficar cosida a tempo, já pus o lume ao forno. - Que bom, disse ele, já estou a ansiar por isso... bem, são horas de ir andando. E lá se pôs a caminho.
Agarrado ao arado que fundo sulcava a terra, o Zé nunca parou em toda a manhã, trabalhava animado, sempre a assobiar, musicas alegres, ele gostava mesmo do campo.
Agora que o sol estava a pino, a Luísa já não devia demorar... Desatrelou o gado, levou-o para a sombra e pôs-lhe alimento verde. Depois sentou-se ele também, à sombra.
Aguardando a sua Luísa e o almoço prometido, ele só tinha olhos para a serventia que antecedia as terras de cultivo. Reparou que outro carro de bois se dirigia para o campo, e cedo percebeu que o homem que conduzia o gado era o seu compadre Tibúrcio. Pôs-se de pé e esperou que ele se aproximásse. Ainda antes dos habituais cumprimentos, o Zé antecipou-se: - Ora ainda bem que veio, compadre! Estive toda a manhã sózinho! Não é que eu tenha mêdo; é que um homem também gosta de falar! - Tem razão compadre Zé, respondeu o outro. Sabe, eu queria vir descarregar o fertilizante de manhã, mas não pude, assim,vim agora. Encaminhou-se para a sua nesga de terra, não sem antes ainda lhe perguntar pela comadre Luísa...
Estava tudo na paz de Deus, ou assim parecia, quando o Zé vê o Tiburcio a caminhar na sua direção e a praguejar- Admirado, e sem perceber a razão daquela atitude tão estranha, perguntou: - O que é isso compadre Tibúrcio?
- O que é isso, ainda me pergunta?
- Pois se não sei, pergunto, pois claro...
- Não se faça de anjinho, sabe muito bem que me anda a roubar.
- A roubar? Você está a brincar, ou a ofender-me? Eu ando a roubar-lhe o quê?
-Quer que eu diga, pois eu digo. Desde há três anos que na altura das lavras, você me rouba sempre uma leiva de terra.É dali daquele lado. Já são três que você juntou ao seu terreno.Não tem vergonha? Ande diga lá se é mentira...
-Claro que é mentira. Eu não lhe admito, ouviu? Que disparate; as terras até estão sinalizadas com marcos.
E o Tibúrcio repisa; tem marcos mas de nada valem.
-Aqui o Zé perdeu a calma. -Sabe, eu não estou para lhe aturar tal difamação, ouviu? - Olhe que eu perco a cabeça e ainda lhe vou às fussas... e dito isto puxou dum foeiro do carro das vacas, e correu para ele. O Tibúrcio por seu turno recuou, mas para ir buscar a forquilha, e logo de seguida investiu contra o compadre. Os dois envolveram-se em agressão mútua, uma agressão raivosa que só parou quando ambos caíram por terra sem sentidos, e a esvaírem-se em sangue.
A Luísa chegou com o almoço e ainda os viu cair. Sentiu-se vacilar, mas tinha de ser forte. Correu, a gritar por socorro, e alguém a ouviu...
Os homens estavam muito maltratados. O Zé a contas com perfurações no intestino, foi operado de urgência, e o Tibúrcio com fraturas e traumatismos, também não se livrou de várias intervenções cirúrgicas.
Estiveram com prognóstico reservado, permaneceram no hospital durante três meses, mas escaparam.
Passado o período crítico, foram colocados na enfermaria, cada um em sua cama, mas ao lado um do outro. (seria por castigo? ) Mesmo assim, continuavam enraivecidos, não se falavam, nem se olhavam sequer, e assim viveram quase até ao fim do internamento.
A Rosa e a Luísa iam juntas ao hospital diáriamente, alhearam-se das zangas deles, só queriam que ambos se curássem. Visitavam os dois, e para ambos tinham boas palavras.
Uma semana antes de receberem alta, o Tibúrcio logo de manhã pouco depois de acordar, soergueu-se na cama e chamou, - compadre Zé, está acordado? - Estarei a sonhar, interrogou-se o Zé... mas respondeu que sim.
Então ouça; - quero pedir-lhe que me perdôe pelos males que lhe causei. Eramos tão amigos! Tornei-me um obsecado avarento, e vi o mal onde ele não existia, andei cego de olhos abertos...
Foi preciso estar na eminência de me juntar à terra, e fundir-me com ela, para ver como estava errado, e arrepender-me. Repito, perdoa-me?
-O Zé surpreendido, achou que também lhe devia pedir perdão, por o ter agredido tão brutalmente, porém, não lhe ocorreram as palavras adequadas para isso; chegou-se para a beira da cama, e em silêncio estendeu-lhe a mão.
E enquanto permaneciam de mãos apertadas, murmurou; - curaram-nos o corpo, mas não só, também a alma ficou mais sã!
8 comentários:
Já diz o provérbio:
"A ambição cega o coração"!
Beijinhos.
Dilita querida,
a simplicidade e generosidade com que expôs os males nos aflige a alma é fantástica!
Adorei a doçura, a riqueza dos detalhes e a singeleza ao descrever o último momento, o ato de grande nobreza reservado a estes seres humanos, que bem podiam ser quaisquer um de nós.
beijos
Amiga Dilita, sempre querida, amei ler seu comentário amável lá no meu espaço, obrigada pelo carinho!
Aqui lendo esse belo texto, muito bem escrito, nos mostra que o que vale na vida é poder ter e contar com boa amizade, muitas vezes acontecem na vida, essas coisas de desentendimentos, mas se a amizade é verdadeira supera-se, deixa-se a ambição e o orgulho de lado!
Amei ler minha doce e querida amiga, abraços bem apertados!
Os meus parabéns !
Belo conto de casos vividos que, infelizmente, não tem um final tão feliz.
Muito boa a sua prosa, imaginativa, simples e que nos leva num crescente de interesse.
Adorei.
É verdade amiga Lisa, os provérbios sempre nos dizem algo com verdade.
Obrigada pela visita.
Beijinhos.
Amiga Nouredini,
Fiquei muito agradada com a sua análise em relação ao meu conto. Obrigada.
Beijinhos.
Já escrevi três comentários e tentei colocá-los no seu blog, digo tentei, porque se apagaram de imediato.
A internet também nos prega destas partidas...
Amiga Ivone,
Quando a amizade é verdadeira, ela se mantém para além de todos os mal entendidos. Primeiro parece que acaba, que sumiu de vez, mas não, ela regressa.
Obrigada, beijinhos e um abraço forte.
Muito obrigada Manuel, fiquei contente pela sua apreciação, e pelos parabéns.
As suas palavras incitam-me a continuar.
Agradecida também pela visita.
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