domingo, 21 de dezembro de 2014

Era Noite de Natal

Adeus sr. engenheiro, Feliz Natal! Repetiam os empregados um a um, à medida que deixavam o escritório. Saíam apressados, era na véspera de Natal. Paulo Ferreira o engenheiro, de pé apertava a mão a todos, retribuía as Felicitações e sorria, aparentando uma disposição que na verdade não tinha.
As instalações ficaram em silêncio, e ele sabendo-se só, sentou-se na cadeira de espaldar, frente à secretária, deixou descair a cabeça para trás e fechou os olhos. 
Alheio a tudo o que o rodeava, deu largas ao pensamento, e deteve-se no passado cheio de boas recordações. Impossível não reparar no contraste em relação à sua situação actual, o que o levou a murmurar -"feliz nos negócios, infeliz nos amores" diz o povo, e tem razão.
Passaram alguns minutos antes que decidisse abrir os olhos. Verificou as horas, e então ergueu-se rápido, olhou em redor certificando-se de que estava tudo em ordem, desligou o ar condicionado, e deixou o escritório. 
Apressado caminhou os escassos metros que o separavam da sua residência, subiu no elevador, e entrou em casa. O silêncio no grande apartamento entristeceu-o, vacilou de novo, e desalentado deixou-se cair num maple com a cabeça entre as mãos. Lidava mal com o estatuto de divorciado, precisava de tempo, dizia ele para si próprio sem grande convicção.
Pouco depois, o ruído do telefone sobrepôs-se, e  embora contrariado, foi atender: - era um colega para lhe desejar Feliz Natal. Conversaram, e ele animou-se.
Depois, um banho quente ajudou, e daí a pouco, devidamente cuidado, descia à garagem carregando os presentes que tinha comprado para oferecer ao seu único filho, o Paulinho de quase quatro anos. A tristeza desvanecera-se um pouco, sentia-se melhor... Afinal é Natal, murmurava em pensamento, procurando ser forte.
Entrou no carro, ligou a ignição, e daí a pouco já circulava pela avenida a caminho da segunda transversal, aonde numa bela moradia viviam os  seus sogros.
Ao aproximar-se diminuiu a velocidade, e estacionou um pouco antes do portão do jardim. Pelas janelas do 1º andar via-se que grande parte da casa estava profusamente iluminada. Paulo dirigiu-se para a entrada e tocou à campaínha. A porta abriu-se, era a Alice a criada, que num misto de satisfação e mágoa, cumprimentou o sr. engenheiro e o conduziu á sala grande, aonde numa mesa preparada para a ceia, brilhavam as louças e os cristais. Num dos cantos lá estava uma enorme árvore de Natal, tudo como dantes tal como ele previra, toda a família reunida e ainda alguns convidados.

- Papá, Papá, gritou o Paulinho precipitando-se em correria para os braços do Pai, que enternecido o abraçava e lhe estendia os presentes. A criada levou os embrulhos para junto da árvore de Natal, enquanto o Paulinho monopolizava o Pai em todos os sentidos, e ele se julgava o mais feliz dos mortais.
- PaPá quero cólo!  Não me ponhas no chão!  Quero que fales comigo! Sabes, eu tenho amigos na escolinha, e já sei o nome deles. Ficas comigo e com  a Mamã, não ficas? Estão cá todos, e tu nunca mais vinhas... Olha, depois ajudas-me a abrir os presentes? São muitos anda cá ver!!! Paulo queria falar, mas não tinha palavras, aquela situação era nova, e muito embaraçosa...
O alvoroço do Paulinho contrastava com  a atitude da Familia que assistia á cena sem um único sorriso, colocando o engenheiro no papel de intruso. Aquele desdém era por de mais notório, e ele sentiu-se constrangido.
Logo que o filho "consentiu," apressou-se a cumprimentar todos os familiares, e a Leonor sua ex-esposa, que friamente aceitaram os cumprimentos. E como ninguém lhe disse para ficar, nem um pouco de tempo sequer, beijou o filho e saiu.
Já no jardim, aos seus ouvidos chegaram uns gritos: - Eu quero o PaPá! Eu quero! Eu quero! Seguiu-se  um  gritar  continuado... Paulo sentiu-se gelar, e parou indeciso ... Mas naquela casa já não havia lugar para si, nem mesmo durante uns minutos na noite de Natal. E com esta certeza e o coração partido, dirigiu-se ao carro, deu volta à chave e, acelerou, sem destino...

Áquela hora, as ruas da cidade estavam práticamente desertas, era a noite da consoada, a maioria das familias estava reunida em casa como é de tradição. O engenheiro Paulo conduzia agora sem pressa, um tanto a êsmo, duma rua virava para outra, dir-se-ia que andava a ver as ornamentações Natalícias... mas não, ele ainda sentia nos ouvidos os gritos do filho a chamar por ele, e isso doía, doía muito... Depois também a forma desagradável como fora recebido naquela casa... Não esperava ser convidado para jantar, nem tão pouco aceitaria, mas aquele desprezo, foi de mais... E afinal porquê? Se ele nem sequer era culpado...
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Enquanto conduzia sem rumo, a memória trazia-lhe "o filme" dos seus ultimos anos de casado...

Tinham tido um casamento auspicioso, e foram muito felizes até ao nascimento do Paulinho. Depois a Leonor alterou-se completamente, vivia dominada por uma neurose obsessiva  pela criança, e aos poucos foi-se afastando do Paulo.
Ele adorava-a, e entendia o facto como sendo um caso patológico mas que havia de curar-se, e voltariam a ser felizes. Não queria duvidar. - A medicina faz milagres, dizia ele cheio de esperança...
Consultaram vários especialistas, ela fez a medicação recomendada, mas à medida que o tempo passava, maior era a aversão que ela manifestava em relação ao casamento, e ao marido. Era de facto um caso patológico, do foro psiquiátrico. Paulo sofria, mas continuava a esperar...
Foi ela que pediu a separação, o Paulo não queria, mas dada a insistência dela e da familia, acabou por aceitar. Seguiu-se um divórcio de comum acordo e até a promessa de que ficariam amigos; era uma boa decisão até pelo Paulinho.
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Paulo sentia a cabeça a estoirar... encostou à beira e saiu do carro. O ar frio bateu-lhe em cheio na cara,e  embora desagradável foi de  efeito benéfico, qual sedativo natural sem contra indicações.   E começou a raciocinar de modo mais lógico : -" Ficarmos amigos? Mas afinal para quê? " Para isto?
Até me fica mal ser tão ingénuo... Mas que posso eu esperar?  Nada! Eu é que estou errado.
E já não se atreve a comentar de modo tão negativo, a atitude dos seus sogros. Vai mesmo mais longe e escreve na pequena agenda, o pensamento que lhe surgiu no actual momento: - " Talvez esta família, que já não é a minha, se esteja a reger pelas leis da razão - enquanto eu me regi, pelas leis do coração... "
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Ufa!!! Que noite de Consoada...
Começou a sentir frio, desconforto, e recordou-se que não tinha jantado; precisava de fazer uma refeição, uma comida quente. Entrou no carro e seguiu devagar até à ponte, rumo a um restaurante que ficava do outro  lado do rio. Um pouco de nevoeiro alterou em parte a visibilidade; - abrandou ainda mais a velocidade, e reparou então num vulto negro que corria, e parou a meio da ponte fixando o abismo. Havia ali forte determinação pois nem deu conta do carro que parou próximo.  Pousou a mala de mão, e agarrou-se ao gradeamento para ganhar impulso. Ia lançar-se, mas os braços vigorosos de Paulo conseguiram segurá-la a tempo.

Uma figura elegante de mulher jovem, vestida de preto, estava ali encostada ao seu peito, envergonhada e cheia de lágrimas. Paulo respeitou o seu sofrimento, e não lhe fez perguntas, apenas lhe dirigiu palavras de compreensão, e aguardou. Quando lhe pareceu que podia ajudá-la, tentou...
-Agora que já está mais calma, vou levá-la a casa, disse-lhe, ao mesmo tempo que a encaminhava na direção do seu carro desarrumado. - A sua família deve estar  a sofrer de preocupação; diga-me onde mora... ela parou e com a voz embargada respondeu; - eu não tenho família nesta cidade... Estou cá há pouco tempo. Sou professora e dou aulas numa vila deste Distrito. Agradeço, mas não é necessário, tenho o meu carro ali atrás, meio escondido, não esperava precisar mais dele.
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Paulo não demonstrava, mas neste momento sentia-se muito contente - tinha salvo uma vida na noite da Consoada! E este facto fazia-o esquecer as contrariedades que vivera neste principio de noite.
Perguntou-lhe o nome, e ela disse, sou Rosália.
-Então Rosália venha jantar comigo, sou um desconhecido para si, mas pode confiar, sou o Paulo Ferreira, disse, enquanto lhe estendia um cartão de visita com a sua identificação.
O  restaurante Rio Calmo fica perto, se fosse de dia, via-se daqui.
Rosália aceitou. Jantaram juntos, e o Paulo até ficou assim um pouco de asa caída por ela, embora não o confessásse, ainda...  Ela era uma jovem discreta, fina, e educada, mas triste, e carregada de luto. Acabou por lhe contar com palavras misturadas com lágrimas, que era viúva, e tinha sido muito feliz com o seu Rui, mas um brutal acidente de viação roubara-lhe a vida, à pouco mais dum mês. Ela tinha família na terra, mas não quis ir lá passar o Natal, não tinha alegria para isso. E duas semanas passavam rápido, logo findavam as férias, e voltava  o trabalho que sempre distrai...
Mas hoje, tinha sentido tantas saudades do Rui, que pensou ir para junto dele...

E Paulo não disse, mas também pensou -  "ela queria ir para junto dele, mas eu não deixei ! "
E nem vou deixar !...





7 comentários:

Nouredini.'. Heide Oliveira disse...

A força de um ato fraterno é incomensurável.
fazer o bem atrai o melhor!
Feliz natal junto a sua querida familia,

dilita disse...

Tem razão, amiga Nouredini. Fazer o bem trás beneficio, e o primeiro a recebê-lo é quem o pratica.

Obrigada pelos seus votos. Do mesmo modo eu desejo para si tudo de bom.

Beijinhos.

Manuel disse...

Já um dia disse que temos uma bela escritora de contos.
Este tem tudo, ternura, ódio, desencontro é uma boa dose de esoeranca.
Parabéns!
Que 2015 seja um Ano Muito Feliz🎉🎊🎉🎊🎉🎊🎊🎉

jair machado rodrigues disse...

Minha adorada Dilita, cá estou para desejar-te um Ano Novo melhor deste que passa... Um escrito comovente, leve, lindo, de uma sensibilidade doce e real, me pegou, fui lendo e me envolvendo com a a história, o filho a chamar pelo pai, de cortar o coração, daí eu comecei a acreditar rs...mas não conseguia mais ver um final bom, e tu conseguiste, bem com estou a me sentir, um final com promessas e possibilidades concretas de se tentar de novo, se permitir. Obrigado Dilita por este presente de Conto de Natal.
Muito agradecido por teu comentário, tão elegante, amei, logo te responderei, obrigado.
ps. Carinho respeito e abraço.

Nouredini.'. Heide Oliveira disse...

Querida Amiga e Amigos da Amiga Dilita

volto aqui, em vésperas de Ano Novo, para dizer-lhes do meu bem querer e para desejar o melhor a todos.
Que possamos ter dias mais tranquilos, repletos de boas lembranças e construir bons momentos para relembrar e aquecer nossos corações no futuro.
Desejos de paz, harmonia e tranquilidade a todos

dilita disse...

Olá Manuel

As minhas desculpas pela demora em agradecer a sua visita neste cantinho.

As suas palavras deixaram-me contente.
Muito grata.

Dilita

dilita disse...

Olá Jair

Grata pelos desejos de melhor Ano Novo,e grata pelas apreciações em relação ao texto escrito.
Eu gostei tanto de o escrever, e depois ainda fui presenteada com elogios da Nouredini, do Manuel , e do Jair...
Não vou fingir, vou dizer a verdade - eu gostei muito de saber que vocês caros amigos, apreciaram o meu trabalho. (Nem lhe quero chamar trabalho...)
Felicidades para si, e um abraço,
da
Dilita