sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

O Livro Grande




Seriam umas dez horas da manhã. O sol algarvio brilhava forte sobre o mar azul na praia de Armação  de Pêra. Sobranceiro à arriba um varandim metálico  em toda a extensão do jardim actua como miradouro daquele mar grande e lindo. Eu também fui até lá. Antes porém pousei os meus pertences num banco ali ao lado onde um casal de jovens ingleses conversavam animados. Em baixo um barco aproximou-se da praia, ouviu-se a campainha a avisar do passeio ás grutas, e alguns banhistas na água funda subiram aos baldões para aquela casca de nóz que baloiçava a valer elevada pela rebentação. Ouviam-se pequenos gritos terminados em rizadas e após todos estarem acomodados, o responsável ligou o motor e o barco estabilizou, e de seguida em boa velocidade e direitinho seguiu seu rumo. Desviei o olhar para terra e reparei que uma senhora já idosa se encaminhava para o banco. Aproximei-me de imediato para libertar o espaço ocupado pelas minhas coisas para que ela se pudesse sentar. A senhora ainda me perguntou se eu queria o lugar no banco, respondi que não que ficásse á vontade, e sobraçando o que era meu voltei para o varandim. Mas daí a pouco o casal inglês levantou-se e foram embora. Então caminhei em direção à senhora  que sentada me olhava, e sorrindo como é meu hábito disse-lhe em ar de brincadeira: - agora já quero o banco! - E sentei-me ao seu lado.
Ela retribuiu-me o sorriso ao mesmo tempo que me dizia:
- Mas que grande livro!!!
- Animada respondi: - é verdade, é gordinho! Tem 550 páginas.
Sabe, foi a prenda da minha filha pelo meu aniversário na passada semana. Ela até me disse que era mesmo bom para os dias de férias, porque tinha muito para eu ler.
E continuei:
- Eu gosto muito de ler, e gosto deste escritor, tenho vários livros dele.
É o Ken Follett.
Também conhece?
Um misto de asco e repulsa transpareceu na sua voz ao responder-me:  
-  Eu não! Não conheço!
- Não gosto de livros nem de escritores!
- Só gosto de jornais e revistas porque dizem coisas verdades.
Agora os escritores?! É tudo a fingir. Só dizem mentiras!
Fez uma breve pausa para logo continuar:
- Mentirosos, inventam inventam, e ganham a vida assim. Ah, mas comigo não!
Eu aturdida não respondi nada, ela julgava-se tão certa, infelizmente para ela.
Depois, ainda pensei argumentar, tentar despertá-la mas preferi mudar de assunto e falar do clima agradável característico daquela província algarvia, e aí sim, as minhas palavras encontraram eco, da parte daquela senhora que não gostava de escritores. Pouco depois ela olhou o relógio e levantou-se, despediu-se de mim com simpatia e caminhando devagar atravessou o jardim em direção à avenida. Eu continuei ali e  por momentos não pude deixar de sentir uma certa pena, por aquela senhora não conseguir ver a beleza que os livros encerram e a leitura transmite. Mas a cada qual seus gostos e opções.
E a minha foi abrir o livro, e alheia a tudo ao meu redor embrenhar-me na leitura que tinha iniciado na véspera e me havia deliciado.
Quando me levantei para regressar lembrei-me de novo da senhora, mas para formular este meu voto sincero: - Que aos escritores não lhes falte nunca a imaginação, para que, com a sua arte continuem "a mentir-nos" se possível eternamente!

AUTOPSICOGRAFIA

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.
Fernando Pessoa

5 comentários:

O meu pensamento viaja disse...

Dilita, deixe lá a senhora! Gosto muito do Ken Follett.
Adorei Os pilares da Terra! Já leu?
Gostei da sua citação de Pessoa!
Bom fim de semana.
Beijinhos

Nouredini.'. Heide Oliveira disse...

Quwrida,
Felizes os que com o fio de tinta tecem a rede que embala nossos sonhos.
Que as letras sempre nos una.

jair machado rodrigues disse...

Minha querida amiga e parente portuguesa Dilita, perdoa meu distanciamento, mas as coisas abaixo do equador não andam bem, e como faço parte da classe baixa, estou sentindo na pele o estrago que os políticos daqui fizeram (e pelo jeito continuam fazendo, ou seja, roubando a Nação e ao povo nada, nem saúde, nem educação...mais o problema de minha rica mãe, cujo meu tempo tento dedicar o mais que posso, não consigo me imaginar sem esta mulher que me pariu, e cria até hoje. Apesar deste ano completar 50 anos, ainda sou o menino dela, e assim gosto também, de ser o menino dela. Sinto um pouco de revolta com o mundo, e até com Deus (mas ele sempre me mostra o caminho certo ou não, mas me consola sempre). Quando começo a escrever vem logo o caos, a dor, angústia, daí não tenho postado, é muita mágoa, mas tou tratando com meu terapeuta e psiquiatra, talvez eles encontrem uma solução para meu caso, algum remédio novo para experimentar. Mas minha querida Dilita, como fico feliz ao te encontrar no meu blog, para saber de mim...acho que tenho pena de mim mesmo, por estar chegando numa idade em que geralmente já se conquistou algo, mais dinheiro, mais notoriedade, enfim, ter o respeito de todos, mas não conquistei nada, continuo com minha vidinha medíocre de um reles funcionário público de baixo escalão. Mas ao mesmo tempo dou graças por ter isso, por ser quem sou e dos amigos que conquistei nesta minha jornada, real e virtual. Tua presença só me faz querer viver mais, escrever mais para compartilhar contigo...O que seria de mim se não houvessem escritores, que não inventassem estas "mentiras" que a senhora do post falou. Atualmente estou relendo um livro de minha escritora favorita Lya Luft: A VIDA É UM RIO QUE CORRE.
Minha querida amiga, obrigado por não me esquecer, pois saibas que aqui tens um amigo, um parente brasileiro que aprendeu a te ler, te gostar, te respeitar e querer muito bem. Obrigado por existir.
ps. Todo meu carinho meu respeito e meu abraço.

Val disse...

Olá Dilita, Ken Follet até nem é dos maiores "mentirosos" pois as suas histórias Têm sempre um enquadramento histórico. Ler um livro, é viajar sem sair do sítio. Infelizmente essa pessoa não viaja. Enfim, não podemos ser todos iguais, e ainda bem! beijinho

jair machado rodrigues disse...

CORREÇÃO: O TEMPO É UM RIO QUE CORRE, e não Vida. E aproveito para dizer que é um dos tantos poemas de Fernando Pessoa que se sabe de cor. Carinho respeito e abraço.