domingo, 30 de outubro de 2011

As Reguadas

Hoje lembrei-me dela, nem sei porquê. Da professora de quem fui aluna durante pouco tempo, na então Instrução Primária, na minha infância.
E recordei-me não com saudade. Saudade tenho sim da D. Lourdes, a professora que me aturou nos 4 anos dos primeiros estudos,que ensinava e acarinhava todas as crianças nas suas aulas.
Recordei-me daquela professora, ainda consigo vê-la de bata cor de rosa, e sapatos de camurça prêta. Era de baixa estatura e um pouco forte. Nas aulas usava óculos, uns óculos redondos. E do lado direito na secretária também um objecto que ela usava diáriamente, uma régua grossa.
Nesta época as aulas começavam a 7 de Outubro e a idade escolar era aos 7 anos.
Como eu já sabia as letras, e já lia, entrei com 6 anos, favor da D. Lurdes, só para andar na escola, mas no fim do ano lectivo passei de classe e no seguinte passei de novo,e fui frequentar a 3ª classe com a tal professora da bata rosa. Já sabia que não faria exame no fim do ano,(não tinha idade) poderia, se pagásse uma licença de vários escudos, mas o meu pai não quis.
Ficaria dois anos na terceira classe, era novinha, não fazia mal. Todas nós alunas tinhamos de fazer diáriamente uma cópia em casa, e todas nós faziamos erros na dita. Aquilo irritava sobremaneira a professora, uma vez que nos ditados tal não acontecia. Ela marcava a lápis todos os erros, e eram muitos, contava-os... e então quando pouco faltava para acabar a aula chamava-nos uma a uma, e fazia a contabilidade com a régua nas nossas duas mãos. Assim, duas ou tres reguadas por cada erro, o que somava sempre para cima de vinte. Apesar da distância, eu ainda hoje me lembro muito bem como ficavam as mãos, e eu nunca apanhei muitas.
Chegou o dia de quinta-feira da Ascenção, o dia da Espiga. Era dia Santo, mas ela não deu feriado, disse que havia escola de manhã, só para marcar passo no átrio, e cantar.
Este dia era muito respeitado na época, até se dizia - SE OS PASSARINHOS SOUBESSEM QUANDO ERA DIA DA ASCENÇÃO,NÃO TIRAVAM PÉ DO NINHO PRA PÔR O BICO NO CHÃO -
Era costume a minha mãe e eu, irmos à missa das 11, e fomos. (não fui à escola).
Como eu iria andar dois anos na 3ª classe, não tinha importância faltar.
De tarde fui com as minhas amigas apanhar o ramo da Espiga, o ramo da Hora como então se dizia.
Tudo bonito até ao dia seguinte, à hora de ir à escola. Eu que sempre fui de boa vontade, desta vez sabendo o que me esperava não queria ir, e dizia porquê. Então a minha mãe foi comigo,ficou cá fora e disse para eu dizer à Sra. que queria falar com ela. Também agora eu a estou a ver, encostada à secretária do lado de fora, braços cruzados à espera que chegássem todas as alunas faltosas, para depois distribuir as reguadas da praxe. Estarrecida, não dei o recado, foi outra menina que chegou daí a pouco que disse à professora que a minha mãe estava à espera.
Ela encaminhou-se calmamente para a porta, enquanto eu fiquei com o coração apertado. Mas a falar é que as pessoas se entendem, não é? Às vezes nem tanto, mas aqui entenderam-se, e naquele dia não ouve reguadas para ninguém.
Passado algum tempo,esta Sra. sofreu uma perda irreparável,um desgosto terrivel, e deixou o ensino.
Entretanto eu voltei prá D. Lurdes.

5 comentários:

Lilasesazuis disse...

Querida Dilita...naqueles tempos, nossa, costumava-se aplicar castigos corporais...ai...tremo só de pensar...Hoje, as coisas estão mudadas...
Que bonita lembrança de tua infância, apesar de dolorida!!Beijinhos

jorge figueiredo disse...

obrigado por seus comentarios em meu blog, prazer em conhece-la. gostei do texto, recordar é viver.
um abraço

Viviana disse...

Olá, Dilita

Também eu teria muita coisa para contar acerca da minha professora da instrução primária: Dª Maria Angélica da Conceição Lopes Alves Rodrigues...

Ela, para além ga grossa régua usava a cana da India, torcia as orelhas e dava murros na cabeça das crianças.
Tão má que era!
Creio que já deve ter ido dar contas a Deus.

Um anraço
viviana

Vilma disse...

O trbalho escolar dantes era obtido à custa do medo.
O sucesso vinha mais tarde a dar razão aos castigos e como que a perdoar todos os que tinham sido mais severos...
Hoje não há castigos corporarais, não há medo, pode respirar-se nas salas de aula e as faltas não contam para nada...Se não se tivesse dado a falência dos valores e se as famílias se tivessem mantido, se a base económica desse razão ao sucesso escolar e o valorizasse...estaríamos no Paraíso...por agora,parece que aida temos de andar no Purgatório...
belo texto! Gostei! Vê-se e sente-se a simplicidade das crianças e a aura de poder da professora.
Vilma

Denilson disse...

Dilita, recordar é viver.. Gostei muito das coisas que vi por aqui, dos assuntos variados , textos informativos, saudosistas.
Também me instalei por aqui, pois identifiquei com essa renda de birra!
Parabéns, um abraço carinhoso do Brasil!