Subimos de carro a ladeira de São Miguel, e estacionámos no largo em frente à entrada do castelo. Caminhámos em direção à porta denominada Arco da Traição, ou Arco da Peste, e entrámos. Eu e o Olímpio fomos rever, mas o Gabriel foi conhecer, era a primeira vez que entrava num castelo, e assim tudo era novidade. Espreitar pelas ameias das muralhas e ver a vila cá em baixo, ver as pessoas que pareciam pequenas, subir e descer escadinhas, correr, rolar na relva, ele gostou de tudo, só não gostou muito de vir embora quando o momento chegou, mas não ficou amuado nem triste, ele não é mimalho.
Encaminhámo-nos para a saída. No Arco da Traição encostada ao grande portão de madeira, estava uma rapariga que nos cumprimentou. Muito simples, fininha, simpática talvez em demasia, caraterística de quem precisa de ajuda monetária, que era até a razão da sua permanência ali.Era casada (disse) mas antes não fosse, pois de pouco lhe valia ser.
Dava informações a quem delas precisava e aceitava umas moedas.Quando soube que era de Montemor perguntei-lhe quem era a mãe, pois eu devia conhecê-la dos meus tempos de solteira, quando também ali residia. Ao que ela respondeu, com certa firmeza, que era sobrinha do Dr. Cavaco Silva, porque a mãe dela, é irmã da esposa dele. Para além da surpresa a identificação saíu curta, mas daí a pouco eu estava elucidada, e de facto eu recordo-me bem da família dela. Dissemos adeus e regressámos à Figueira. O Gabriel todo animado, manteve-me tão distraída durante todo o percurso, que praticamente esqueci aquela afirmação por de mais espontânea. Mas no dia seguinte ela voltou, e eu procurei lembrar-me de algo a este respeito. Eu até conheço a história por a ouvir contar, pois na altura eu devia ser muito menina ainda, e quando mais tarde eu começo a entender, já os factos estavam consumados.
Era um casal muito pobre, com muitos filhos, seis; ele era pescador no rio, e a esposa trabalhava no campo, e no que aparecia para fazer, porque a vida era muito difícil nos anos 40. Outro nascimento aconteceu, mais uma menina,que seria a última, pois a mãe não resistiu a uma patologia infeciosa muito grave, que só a penicilina poderia debelar, mas ela não tinha dinheiro para esse medicamento que era muito caro, e nem mesmo o hospital da vila lho concedeu, apesar de ela lá estar internada. Ampararam-na na morte, mas pouco na vida. Ficou a bébé, que a Conferência de São Vicente de Paulo, integrada por algumas senhoras que se dedicavam a ajudar quem de ajuda carecia em situações extremas,colocou em local adequado dizia-se que em Coimbra no Ninho dos Pequeninos. Os outros filhos, três meninas, ficaram com a tia, mulher já madura igualmente de recursos limitados, gente de trabalho que com ele subsistia, e os rapazes também três, continuaram a viver com o pai. Nestes estava o mais novo o Carlinhos, assim o pai o tratava por ser ainda tão pequenito. Imaginemos as privações por que passaram todos, mas os rapazes mais, tendo em conta que o pai também se tornou alcoólico. Porém, a fatalidade que os atingiu logo na infância, não interferiu na sua dignidade, venceram na vida com trabalho e honra, merecendo por eles próprios a estima de toda gente.
Se esta bébé, que foi a sétima filha deste casal tão pobre, é a esposa do actual Presidente da República de Portugal, só ela o saberá. Há contudo uma coincidência relevante, a D. Maria Cavaco Silva foi adotada, ela mesmo o diz. E também diz, que lamenta não ter conhecido a mãe. (li numa revista).
Ninguém sabe quando nasce, pra que nasce uma pessoa... Assim escreveu o poeta, assim alguém o disse cantando. E também se diz que há males que vêm por bem...
1 comentário:
...esta vida dá tantas voltas...e são tantas as surpresas!!!!
Uma semana cheia de luz para ti e os seus!!!
Beijinhos, Lígia
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